O futuro do Bolsa Família

Foto: Mariana Santarelli (Arquivo Ibase)
Flávia Mattar

A revista britânica The Economist publicou matéria abordando a importância do Bolsa Família, porém aponta que há evidências de que o Programa não é tão eficaz nas áreas urbanas como nas rurais. E que é nas áreas urbanas que o problema da pobreza vai crescer no futuro. A matéria aponta também que menos de 10% dos lares de São Paulo e Rio de Janeiro são contemplados pelo Bolsa Família, apesar de essas cidades apresentarem alguns dos piores índices de pobreza do país. O diretor do Ibase e ex-presidente do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), Francisco Menezes, avalia algumas das informações publicadas na matéria e aponta iniciativas para o fortalecimento do Bolsa Família.

Ibase – Alguns fatores são apontados para explicar o fato de o Bolsa Família ser mais eficaz no meio rural do que no urbano: custo de vida mais alto, dificuldade de combater o trabalho infantil nas cidades, cancelamento de outros programas de transferência de renda que somavam valores superiores etc. Como vê essas possíveis explicações?

Francisco Menezes – Para começar, os preços dos gêneros e serviços que as famílias que recebem o Programa fazem uso são quase sempre muito superiores nas grandes cidades, especialmente São Paulo, Rio de Janeiro e  Brasília. Esse é, ao meu ver, o principal motivo para que o impacto seja menor do que nas outras cidades ou nas zonas rurais. Não é verdade que a transferência de renda de programas que foram incorporados pelo Bolsa Família era superior. Pelo contrário, a média era bastante inferior, não só no valor, mas também no número de famílias contempladas. Também não concordo que seja mais difícil as crianças pararem de trabalhar nos grandes centros. O que não existe é controle sobre o número de crianças que trabalham no campo.

Ibase – Há previsão de o Bolsa Família impactar de forma mais eficaz o meio urbano? Que iniciativas podem ser implementadas nesse sentido?

Francisco Menezes – Em termos do número de famílias que recebem o Bolsa Família, o meio urbano fica com 72% do total, portanto muito superior ao meio rural e com uma proporcionalidade equivalente à forma como se distribui nossa população. Presumo, pois não existe comprovação, que as famílias pobres das grandes cidades têm no Programa um complemento para sua renda. No caso da extrema pobreza – famílias cuja renda per-capita é inferior a um quarto do salário mínimo –, a renda advinda do Programa tem impacto maior, pois é a única ou parte significativa da renda que as famílias dispõem. Significa a possibilidade de acesso a bens que não seria possível sem o Bolsa Família. Mas o contraponto são os preços elevados que vigoram nestas cidades e que limitam em muito a cesta de consumo das famílias mais pobres.

Ibase – A matéria aponta dois perfis de pobreza: um antigo e um novo. O antigo diz respeito à desnutrição, falta de água tratada, de atendimento de saúde etc; e o novo seria mais complexo, englobando dependência de drogas, violência, desestruturação familiar, degradação ambiental. Segundo The Economist, o Bolsa Família tem sido eficaz no combate ao perfil antigo de pobreza, mas ainda não há solução para as novas formas.

Francisco Menezes – A afirmação é correta apenas parcialmente e precisa ser entendida mais amplamente. Em primeiro lugar, devemos vencer a ideia de que a desnutrição se dá somente quando ocorre deficiência calórica-proteica. É comum e cada vez mais frequente entre pessoas pobres, seja no Brasil, seja nos Estados Unidos, obesidade junto com carência de outros nutrientes, fruto da má alimentação. Isso não resulta de uma modalidade antiga de pobreza, mas do fato de que os alimentos mais baratos são também os mais densamente calóricos e pobres em outros nutrientes. Em segundo lugar, existe sim o problema atual de drogas, violência etc., mas essa é a forma que deriva das discriminações, desigualdades e outras expressões de dominação econômica, social e política. Prefiro entender a “nova pobreza” como fruto de problemas que não foram verdadeiramente superados no enfrentamento da “velha pobreza”. Nela permanecem os velhos problemas, aos quais somam-se os novos.

Ibase – Quais os principais aperfeiçoamentos pelos quais o Bolsa Família deveria passar? O que fica como desafio para o(a) próximo(a) presidente(a) implementar e encaminhar?

Francisco Menezes – Acho que são dois os principais desafios. Um é colar ao Bolsa Família ações e programas estruturantes para possibilitar a emancipação dessas famílias. O segundo é dotar o Estado de todas as condições para assistir e cuidar com atenção especial daquelas mais vulneráveis, assegurando a elas seus direitos fundamentais. Portanto, não é consertar o Bolsa Família aqui e ali. Ele ainda tem pequenos problemas, mas no geral está muito consolidado. O que precisamos é cuidar do seu entorno, quero dizer com isso, cuidar das outras políticas, sempre em favor dos pobres e extremamente pobres. Mas isso exige deslocamento de recursos públicos e aí devemos saber que a luta vai ser grande, pois todas as tentativas de destinação desses recursos para os mais pobres gera uma enorme reação das elites. O fato é que precisamos fazer essa luta.

Ibase – Até o momento, quais as propostas de presidenciáveis mais sólidas apresentadas para o aperfeiçoamento do Programa?

Francisco Menezes – Essa pergunta remete a uma constatação curiosa. De repente, com data próxima da eleição, todos ficaram a favor do Bolsa Família. Os que antes criticavam o Programa prometem aumentos significativos no valor. Creio que as melhores propostas devem dar conta de fazer chegar o Programa a todos aqueles que estão dentro dos critérios para recebê-lo, o que obriga um esforço maior em encontrar a pobreza mais invisível, com menos acesso às políticas públicas. Um outro aperfeiçoamento é instituir correção permanente, de tempos em tempos, dos valores repassados, tal como já existe com o salário mínimo e outras remunerações. O terceiro é realizar uma permanente campanha no sentido de fazer as famílias titulares do Programa e toda a sociedade compreenderem que o Bolsa Família é um direito dessas famílias. Nesse caso, será uma grande contribuição para o país vencer definitivamente o clientelismo.

http://www.ibase.br/modules.php?name=Conteudo&pid=2907

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