A difícil segurança nas aldeias

Egon Dionísio Heck *
Adital

Os Kaiowá Guarani são considerados pacíficos guerreiros, amantes da vida e da paz. Alegres e profundamente espirituais. Hoje, porém, muitas de suas aldeias viraram praças de guerra. Roubaram suas terras, confinaram sua gente. Constituíram verdadeiros barris de pólvora. E para piorar a situação irrigaram as aldeias de cachaça e levam cada vez mais drogas. A juventude, sem horizonte, se torna presa fácil na mão dos criminosos. Os nhanderu-sabios, líderes religiosos, já não sabem como enfrentar a violência, que tem transformado alguns confinamentos em verdadeiros campos de batalha. O resultado é assustador. Em média é registrado um assassinato por semana. Inúmeros feridos. As cadeias estão cada vez mais cheias de Kaiowá Guarani. São mais de duzentos indígenas presos. Confinamentos com quase 15 mil pessoas, como a Terra Indígena Dourados, se transformaram em campos de concentração. Da hamornia da floresta passaram para o caos da violência sem precedentes. A organização social abalada, já não consegue respostas eficazes e urgentes. No desespero, buscam no sistema repressivo dos não índios, socorro. Querem a policia em suas áreas para controlar e inibir tamanha violência. Exigem do Estado brasileiro, que tem responsabilidade por ter chegado a esse ponto, respostas urgentes.

Qual a saída

A angustiante situação das violências nas e contra as aldeias foi tema de debate na recente Aty Guasu de Kurusu Ambá. O Ministério Público Federal já há algum tempo está se empenhando na discussão nas aldeias e instâncias do executivo para buscar saídas para ao menos ir diminuindo o alto índice de violências em que estão mergulhadas algumas aldeias. Diante da omissão da polícia federal, que constitucionalmente deveria atuar nas terras indígenas, a proposta levada, a grande Assembléia Guarani foi da atuação da policia militar e civil nas terras indígenas Kaiowá Guarani, para que lideranças pudessem debatê-las e darem sua anuência ou não. O debate foi acalorado. A questão é complexa. A maioria, a partir de experiências negativas com relação à atuação da polícia, optou por não aceitar uma autorização em bloco, mas que cada aldeia buscasse negociar a melhor saída possível. Prevaleceu a opinião de que não adiante atacar as conseqüências sem enfrentar as causas. E a causa principal e indiscutível é o confinamento, a absurda negação da terra tradicional às comunidades indígenas. Só a partir daí se poderá encontrar uma saída duradoura, e uma diminuição efetiva da violência. A extrema gravidade exige ser enfrentada de maneira ampla, articulada, sabia e urgente.

Infelizmente não se tem conhecimento de experiências positivas neste campo. A harmonia e tranqüilidade proporcionada pelo funcionamento da organização social e de poder da sociedade Guarani, está sendo violentamente impactada, negada e destruída. As experiências repressivas introduzidas pelo SPI (Serviço de proteção aos Índios) através da introdução de hierarquia e espírito militar, foram um fracasso. A criação da Guarda Rural Indígena (GRIN) para manter a ordem e defender o patrimônio indígena acabou sendo mais um pesadelo repressivo às lideranças e comunidades.

Violência – prevenir é melhor que punir

Para Anastácio Peralta, representante Kaiowá Guarani na Comissão Nacional de Política Indigenista-CNPI, é urgente conclamar todas as forças vivas, lideranças e agentes que atuam hoje nas comunidades – nhanderu (lideranças tradicionais, religiosas), professores, agentes de saúde, jovens, mulheres, igrejas, entidades de apoio, FUNAI, Funasa, prefeituras… para fazer um amplo debate sobre a questão da violência e insegurança nas aldeias, para juntos encontrar caminhos eficazes para enfrentar e começar a superar essa situação de violência. “Não adianta só pensar em polícia, em punir. Daqui a pouco temos que ter um policial para cada pessoa, e não vamos resolver o problema”, diz Anastácio. Arremata sua reflexão chamando atenção para o despreparo da polícia para agir em realidades tão diferentes e complexas. “A policia foi feita para reprimir os pobres e garantir a segurança dos ricos. Temos que usar nossa sabedoria e inteligência para encontrar soluções. O começo é a recuperação de nossos territórios…” Lamenta que a violência esteja expulsando cada vez mais Kaiowá Guarani para as periferias das cidades e beiras das estradas. “Infelizmente os projetos para enfrentar essa situação foram mal debatidos e encaminhados. O que está em jogo são valores e formas de vida. É a recuperação da dignidade e auto-estima de nossas famílias e nossas comunidades”.

Sobressaltos

No decorrer da Aty Guasu em Kurusu Ambá, mais de 400 lideranças de mais de 80% das aldeias, além dos duros debates e cobranças dos órgãos públicos, houve alguns fatos que chamaram atenção. Durante a apresentação de vídeos sobre os acampamentos e realidade Kaiowá Guarani, de repente com a aproximação de um carro alguém grita “Karaí kuera”, e a imediata correria, com medo de que fosse um ataque dos fazendeiros. Durante um debate na plenária, a fumaça forte e um barraco começou a queimar. Perplexos e assustados os moradores tentaram salvar alguns pertences, mas quase tudo foi consumido pelas chamas.

Povo Guarani Grande Povo
Dourados, 31 de julho de 2010

* Assessor do Conselho Indigenista Missionário (CIMI) Mato Grosso do Sul

http://www.adital.com.br/site/noticia.asp?boletim=1&lang=PT&cod=49921

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