Pesquisa da Funasa revela perfil de saúde e nutrição dos povos indígenas

[EcoDebate] – Os indígenas representam menos de 1% do contingente populacional brasileiro – aproximadamente 500 mil pessoas -, divididos em mais de 200 etnias que falam cerca de 180 línguas. Devido às drásticas transformações em seus estilos de vida associadas à interação com os não índios, começam a sofrer de obesidade, hipertensão arterial e diabetes. São também elevadas as prevalências de desnutrição em crianças e de anemia em mulheres e crianças.

Esses são resultados do maior estudo sobre povos indígenas já realizado no país, Inquérito Nacional de Saúde e Nutrição dos Povos Indígenas, que teve a coordenação geral do pesquisador da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz) Carlos Coimbra Jr., e apresenta uma radiografia das condições de vida desses povos.

Os povos indígenas estão presentes em todos os estados do país, exceto no Piauí e no Rio Grande do Norte, e as terras indígenas ocupam aproximadamente 15% do território nacional. De acordo com o inquérito, o processo histórico vivido por toda a população brasileira também alterou drasticamente os sistemas de subsistência indígenas. Muitos índios, hoje, vivem em áreas urbanas e, por isso, não mais produzem diretamente os alimentos consumidos. Segundo a pesquisa, “pressões exercidas pela expansão dos projetos de colonização rural e empresas agropecuárias, garimpos e indústria extrativista, aliadas a ambientes degradados, comprometem seriamente sua segurança alimentar e saúde geral”.

Esse inquérito nacional é uma realização da Fundação Nacional de Saúde (Funasa) e da Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva (Abrasco), com apoio do Ministério do Desenvolvimento Social de Combate à Fome. Ele foi financiado pelo Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (Bird) e executado por meio de uma parceria entre a Abrasco e o Instituto de Estudos Ibero-Americanos, da Universidade de Gotenburgo, na Suécia. O inquérito teve a participação de pesquisadores de dezenas de instituições brasileiras, sob coordenação geral de pesquisadores da Ensp (Carlos Coimbra Jr., Ricardo Ventura dos Santos e Andrey Cardoso) e da Universidade Federal de Pelotas (Bernardo Horta). Na Ensp, a equipe também tem a participação de alunos dos programas de pós-graduação da Escola e egressos.

Estudos realizados ao longo dos últimos anos têm abordado, em diferentes graus de profundidade, aspectos biológicos, antropológicos e ecológicos do processo saúde-doença e nutrição em comunidades e/ou etnias específicas. “Apesar de limitados quanto à sua representatividade étnica e nacional, o conjunto desses estudos chama a atenção para uma clara tendência de acelerada transição epidemiológica e nutricional entre os indígenas. Vale ainda destacar que essas mesmas pesquisas apontam para dois aspectos peculiares ao processo da transição entre os indígenas, que diverge da tendência observada na população brasileira geral – a permanência das doenças infecciosas e parasitárias como principal causa de mortalidade, apesar da rápida emergência das doenças crônicas não transmissíveis e a manutenção de elevadas taxas de fecundidade”.

Os resultados do inquérito aprofundam e ampliam o conhecimento sobre saúde indígena no Brasil, que vem sendo construído nas últimas décadas, já que se baseou em uma amostra representativa para todo o país. Os pesquisadores do inquérito apontam a mudança do perfil epidemiológico-nutricional como um quadro preocupante, no qual as crianças parecem particularmente atingidas, mas os adolescentes e os adultos também não estão livres de problemas de ordem nutricional.

Os índios e as doenças

O inquérito mostra que “a tuberculose se destaca como uma das mais importantes causas de morbimortalidade indígena em todo o país, em geral apresentando coeficientes de incidência superiores aos observados na população brasileira geral. Outra endemia de inquestionável importância no perfil epidemiológico dos povos indígenas é a malária, principalmente entre as populações situadas na região Norte, oeste do Maranhão e norte do Centro-Oeste, que é a região onde está concentrada aproximadamente 60% da população indígena do país.

A pesquisa chama a atenção para as condições ambientais favoráveis à transmissão de parasitas e micro-organismos veiculados pela água e alimentos contaminados, que resultam em elevadas taxas de morbimortalidade por gastroenterites e hepatites, atingindo principalmente crianças. “Alguns estudos recentes revelam que as gastroenterites podem responder por quase metade das internações hospitalares de crianças indígenas e por até 60% das mortes em crianças menores de 1 ano. Os próprios postos indígenas, onde convivem funcionários administrativos, agentes de saúde, escolares e visitantes, dentre outros, apresentam saneamento precário, sendo comum a ausência de infraestrutura destinada à coleta dos dejetos e a inexistência de água de boa qualidade mantida e distribuída adequadamente”.

Indígenas apresentam altas proporções de anemia e sobrepeso

De acordo com dados do inquérito, a anemia pode ser considerada uma das principais endemias entre os povos indígenas no Brasil, estando presente em todas as macrorregiões e atingindo principalmente crianças. Esses dados indicam que a anemia é também um sério problema de saúde pública para as mulheres indígenas, alcançando níveis alarmantes e muito superiores aos que vêm sendo descritos em pesquisas para a população brasileira em geral.

No texto, os pesquisadores afirmam que, desde a década de 1990, vêm sendo realizados estudos de caso que, em geral, apontam para elevadas prevalências de desnutrição nas crianças indígenas menores de 60 meses, sempre muito mais elevadas que as médias nacionais. Os resultados do inquérito confirmam, em uma escala nacional, que, de fato, a desnutrição, mensurada por meio do indicador baixa estatura para idade, é um problema de enorme magnitude no Brasil, atingindo uma em cada três crianças indígenas. Nas crianças residentes na macrorregião Norte, as prevalências foram de mais de 40%. Ao se olhar para outros parâmetros nutricionais, como a anemia, fica evidente a precária situação nutricional das crianças indígenas, que alcança mais de 50%.

Em paralelo às elevadas prevalências de desnutrição e anemia, a pesquisa chama a atenção para a rápida emergência do sobrepeso e obesidade em jovens e adultos indígenas. Além disso, doenças crônicas não transmissíveis, como hipertensão arterial e diabetes melito, atingem populações nas diferentes macrorregiões. Segundo a pesquisa, “em parte, esses achados podem ser atribuídos a mudanças alimentares, com a redução do consumo de alimentos tradicionais em favor do consumo de alimentos industrializados e mesmo de cultivos introduzidos. Simultaneamente às mudanças na alimentação, verifica-se também tendência à redução da frequência e intensidade da atividade física, como decorrência de alterações importantes nas estratégias de subsistência e nos padrões de assentamento. Esses dados refletem uma gradual e importante mudança no perfil epidemiológico dessas populações, em que as doenças crônicas não transmissíveis começam a assumir um papel expressivo”.

O estudo aponta que “os resultados do estudo mostram um perfil de saúde das mulheres no Norte, no qual sobrepeso e obesidade e níveis tensionais se mostram menos frequentes e mais baixos que nas demais macrorregiões. Em particular no Centro-Oeste e no Sul/Sudeste, a hipertensão arterial já se coloca como uma questão de saúde importante para as mulheres indígenas, atingindo mais de 15% delas, o que se aplica também para o sobrepeso e obesidade, que atingem mais de 50%. Os achados para as mulheres indígenas evidenciam não somente diferenças inter-regionais importantes como também sugerem a ocorrência de um acelerado processo de transição em saúde em curso nas várias macrorregiões”.

O inquérito lembra ainda que os indígenas nunca foram contemplados como segmentoespecífico de análise nas grandes pesquisas nacionais. Uma importante exceção tem sido os censos demográficos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que, a partir de 1991, passou a incluir a categoria “indígena” sob o quesito cor/raça. A ideia é que, com esses resultados, seja possível prover, pela primeira vez, informações sobre os indígenas baseadas em dados coletados a partir de uma amostra representativa da população indígena, segundo as principais macrorregiões do país – Norte, Nordeste, Centro-Oeste e Sul/Sudeste.

De imediato, essas informações servirão como um importante subsídio para a avaliação do subsistema de atenção à saúde indígena e também para o necessário aperfeiçoamento do atual modelo de atenção à saúde indígena no país. O inquérito aponta que, “as informações também serão estratégicas para a construção de uma linha de base do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional em implantação nos Distritos Sanitários Especiais Indígenas (Dseis), além de contemplar múltiplas possibilidades de avaliação de ações de saúde executadas pela Funasa. Espera-se ainda que os dados sejam úteis para subsidiar a realização de inquéritos de saúde futuros entre povos indígenas”.

Acesse aqui a apresentação de alguns resultados do Inquérito Nutricional Indígena.

Informe Ensp/Agência Fiocruz de Notícias, publicado pelo EcoDebate, 19/05/2010

http://www.ecodebate.com.br/2010/05/19/pesquisa-da-funasa-revela-perfil-de-saude-e-nutricao-dos-povos-indigenas/

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