Por Nathália Clark
“Wuygeycug” é a palavra que define o sentimento do povo Munduruku nesse momento. O significado dela não é guerra nem confronto, mas tristeza. Reunidos durante três dias na aldeia Sai Cinza, lideranças do baixo, médio e alto Tapajós juntaram suas vozes para que sua mensagem seja ouvida: “Nós não queremos barragem”. Guerreiros por natureza, os Munduruku não se resignam ao silêncio do governo. Sem diálogo ou consulta prévia por parte das autoridades, os indígenas saíram às ruas para reivindicar o seu direito à terra e ao rio que os alimenta. Eles não pedem muito. Apenas que o curso da vida possa continuar correndo livre.
“Queremos o Tapajós limpo. Queremos os peixes vivos. Queremos a terra sempre boa para que nossos filhos vivam bem. Não permitimos degredar ou sujar o nosso rio. Estamos mostrando nossa recusa diante do governo. Não queremos perder nada da floresta. Se ela acabar, o que vamos comer? Só o gado sobrevive de capim. Estamos juntos para mostrar nossa força até o final. Não queremos as obras do governo. Nossa riqueza é de todos os brasileiros, inclusive os não-índios”, defendeu o cacique-geral do povo Munduruku, Arnaldo Kaba.
A passeata aconteceu nesta manhã no município de Jacareacanga (PA), que fica a exatos 12 quilômetros – ou 45 minutos de voadeira – da aldeia Sai Cinza. O grupo de cerca de 150 pessoas partiu da sede da Associação Pusuru, organização que representa todos os 13 mil indígenas do povo Munduruku distribuídos por 118 aldeias ao longo do rio Tapajós. A intenção era chamar a atenção dos representantes do governo e da Força Nacional, que voltaram a ocupar a cidade desde o dia 24 para a Operação Tapajós, mas não se apresentaram para a reunião com as lideranças.
Unidos na diferença
Tradicionalmente os Munduruku são divididos em dois clãs, o vermelho e o branco. Eles contam que o primeiro tem uma relação direta com o fogo e representa a força e o fervor de luta do povo. Já o branco significa transparência e tenacidade. A junção dos dois é o que traz o equilíbrio às comunidades. Simbolicamente separados no plano mítico, no mundo terreno eles vivem segundo o lema da associação Pusuru: “Soat Pugtagma”, ou “caminhando juntos”.
“Se aceitarmos o dinheiro que o governo quer oferecer como compensação à barragem, não teremos mais vida. Não queremos o dinheiro. O dinheiro um dia acaba, mas não podemos deixar que acabe a nossa água. Se isso acontecer, não teremos mais peixe, a floresta vai acabar. Não somos acostumados a comprar peixe, a natureza nos dá de graça. Como os primeiros habitantes do Brasil, o governo deveria cuidar de nós, nos ajudar, mas agora ele quer tomar nossas terras. Os nossos antepassados estão no rio. E é aqui que nós queremos ficar”, disse Cândido Waro, presidente da Pusuru.
O Tapajós é hoje uma das últimas grandes frentes de expansão – e também de resistência – do projeto energético planejado para a Amazônia, e que prevê a construção de pelo menos sete mega hidrelétricas na região. Enquanto o governo o vê apenas como uma via de execução para seus empreendimentos, povos tradicionais como os Munduruku têm nele a sua fonte de subsistência e parte indissociável da sua cultura.
“O governo quer impor seu projeto mesmo sem nos consultar. Deixamos nossos parentes doentes em outras aldeias para ouvir o que as autoridades têm a nos dizer. Mas eles não vieram. Estamos nos sentindo humilhados, mas ainda estamos esperando. O rio Tapajós guarda coisas sagradas para nós. Se a barragem chegar, acaba a nossa história. Não queremos ameaça nem confronto, queremos que eles venham falar conosco e nos ouvir. O rio é nossa vida, e nossa vida não tem preço. O governo não pode nos comprar. Deixem nosso rio em paz, é isso que pedimos”, frisou o cacique Juarez Saw.
Como resultado dos três dias de reunião, os Munduruku prepararam três cartas, a serem entregues ao governo federal, demonstrando sua indignação pelo não comparecimento das autoridades à aldeia Sai Cinza para a plenária que os aguardava, demonstrando sua recusa em aceitar a barragem do Tapajós, e levando um pedido para verificação de sítios arqueológicos pertencentes aos seus antepassados na cachoeira das Sete Quedas, no rio Teles Pires.
Este último foi palco, em novembro, do assassinato de um indígena, durante operação da Força Nacional. A mesma força bruta volta agora a invadir o território Munduruku para fazer passar, a qualquer custo, os estudos de impacto ambiental da hidrelétrica São Luís do Tapajós.
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Compartilhado por Janete Melo.