Indígenas se mobilizam na Argentina e pressionam governo

Não é só no Brasil que os povos indígenas estão ameaçados. Na Argentina, o governo acaba de concretizar um protocolo de intervenção das forças de segurança para proteger a comunidade indígena qom Navogoh La Primavera. Assim, agiu cumprindo uma resolução da Comissão Interamericana de Direitos Humanos de abril de 2011

Martím Granovsky* – Página 12

Buenos Aires – Se alguém pensava que a província de Formosa era um Estado livre associado com a Argentina, e mais livre que associado, pode anotar uma novidade: Formosa está deixando de ser opaca. Se alguém tinha dúvidas sobre o sistema interamericano de direitos humanos, que pergunte pela sua utilidade à comunidade indígena qom de Formosa. Se alguém vacilava sobre a importância das medidas cautelares para defender os setores mais vulneráveis, que também respondam os qom. O secretário nacional de Direitos Humanos, Martín Fresneda, acaba de concretizar em Formosa um protocolo de intervenção das forças nacionais e provinciais de segurança para proteger a comunidade qom Navogoh La Primavera. Agiu cumprindo uma resolução da Comissão Interamericana de Direitos Humanos de 21 de abril de 2011.

No último dia 18 de janeiro, La Primavera escreveu uma carta à presidenta Cristina Kirchner detalhando as vítimas desde 23 de novembro de 2010, quando a repressão policial acabou com a vida de Roberto López. Logo em seguida foi assassinado Mario López (segundo os qom, atropelado por um policial), Alberto Galvão, assassinado a tiros e jogado às piranhas, e Mártires López, “em circunstâncias duvidosas depois de ser atropelado dois dias antes por um veículo”. Mais próximo no tempo, no último dia 10 de dezembro, morreram Celestina Jara e sua neta Natalia Lila Coyipe, “após serem atropeladas por um guarda, que não só não prestou socorro, mas que junto com seus acompanhantes bateu em Ricardo Coyipe, dirigente qom e esposo de Celestina, para impedir que, ainda estando ferido, prestasse ajuda”. No dia 5 de janeiro foi assassinado a golpes por uma gangue Imer Flores, “sobrinho do qarashe Félix Díaz do La Primavera, morto em circunstâncias duvidosas enquanto circulava pela estrada em sua moto”. Outros membros da comunidade foram agredidos, inclusive o próprio Félix Díaz.

Em sua carta a Cristina Fernández de Kirchner, os qom tentaram chamar a atenção sobre o cenário: “Todas as vítimas pertencem a uma região que se transformou, nos últimos anos, em uma renovada fronteira de expansão econômica, principalmente para grandes grupos econômicos ligados ao agronegócio, ao petróleo e, ainda que em menor medida, ao turismo”.

Governada pelo peronista Gildo Insfrán desde 1995, ou seja, com uma re, uma rerre e uma rerrerreeleição no meio, estes 18 anos permitiram ao veterinário de 63 anos estruturar a Justiça e as forças de segurança com gente de sua confiança. A brava polícia de Formosa, como a de Jujuy do governador Eduardo Fellner, costumava ser invisível desde Buenos Aires. Mas o escândalo de 2010 e a mobilização dos povos originários foram tão estrondosos que o caso terminou na CIDH. A Comissão Interamericana pediu ao governo federal três coisas. Primeiro pedido: “medidas necessárias para garantir a vida e a integridade física” dos membros do La Primavera. O segundo, que combine com os membros da comunidade o tipo de medidas para evitar “possíveis ameaças, agressões ou assédio por membros da polícia, da força pública ou outros agentes estatais”. O terceiro, que informe “sobre as ações adotadas a fim de investigar os fatos que deram lugar a adoção de medidas cautelares”. As medidas cautelares são as de amparo que a CIDH resolve em favor dos grupos mais frágeis da sociedade.

O protocolo que o secretário de Direitos Humanos da Nação, Juan Martín Fresneda concretizou com a colaboração de Natalia Federman, do Ministério de Segurança, naturalmente não chega para resolver os problemas de fundo levados pelos qom à presidenta. Mas cumprir com a CIDH é, por um lado, um instrumento a favor dos qom. Uma garantia que lhes pode servir como prevenção. Por outro lado, reforça o perfil público dos mecanismos internos e internacionais de proteção de direitos para outros setores sociais, de trabalhadores submetidos à escravidão a crianças espancadas em suas casas, passando por pobres que não saem de pobres e povos originários de diferentes zonas da Argentina. E também pode ser útil para quem, a nível nacional, inclusive dentro do próprio Poder Executivo, não deseja mostrar-se indiferente diante de modelos de construção de poder como o de Insfrán.

*Tradução: Liborio Júnior

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