Numa ação inédita, União envia tropas militares para assegurar sequência dos estudos de impacto ambiental da usina São Luiz do Tapajós-PA. Índios Munduruku dizem que não foram consultados e acusam governo de quebrar acordo para pactuar consulta prévia
Instituto Socioambiental – Isa
O governo federal enviou, no início da semana passada, uma força militar à Itaituba, no oeste do Pará, para garantir o trabalho de 80 técnicos que estão colhendo dados, segundo o MME (Ministério de Minas e Energia), para o estudo de impacto ambiental da hidrelétrica de São Luiz do Tapajós, a maior usina prevista para o Rio Tapajós.
Não há confirmação oficial do contingente, que poderia ser de cerca de 60 agentes da Força Nacional, das polícias Federal e Rodoviária Federal, de acordo com o (MPF) Ministério Público Federal no Pará. É a primeira vez que a União usa a polícia para assegurar a finalização de estudos de uma usina.
A Operação Tapajós acontece em uma área habitada por índios Munduruku, em processo de identificação pela Funai(Fundação Nacional do Índio) desde 2007, a montante de Itaituba, na região da Flona de Itaituba II. Eles não foram consultados sobre a ação e têm se manifestado contra a implantação de hidrelétricas na região.
Lideranças Munduruku acusam o governo de atropelar a negociação que ele próprio conduzia, desde setembro, por meio da (SGP) Secretaria Geral da Presidência da República, para definir os procedimentos de consulta a essas comunidades sobre a obra.
“[A operação] é uma afronta. Parece que o governo não quer conversar, não quer discutir. Nós, por outro lado, queremos negociar”, diz Francisco Iko, coordenador da Associação Indígena Pahyhyt, que representa os Munduruku do Médio Tapajós. “Não aceitamos que policias entrem em nossas terras sem a nossa autorização para qualquer tipo de operação”, afirma carta divulgada pela Associação Indígena Pusuru, do Alto Tapajós.
Clima tenso
Em setembro, índios abordaram técnicos que coletavam dados para os mesmos estudos, sem autorização das comunidades locais, e pediram que se retirassem da área. O governo alega que eles foram ameaçados e que, por isso, a polícia foi convocada agora para escoltá-los. A Operação Tapajós deve durar 30 dias e acontece depois que outra operação da Polícia Federal, em novembro, resultou na morte de Adenilson Munduruku, na aldeia Teles Pires, perto de Jacareacanga, na mesma região. O objetivo era desativar garimpos ilegais na TI Munduruku, área já oficializada.
Segundo a SGP, a Operação Tapajós não prevê visita a aldeias. O MPF e líderes Munduruku, no entanto, temem um confronto por causa do clima tenso instalado na região depois da morte de Adenilson.
Na segunda (25/3), o MPF pediu à Justiça Federal de Santarém (PA) a suspensão da Operação Tapajós. Em resposta, o juiz José Airton de Aguiar Portela chancelou tanto a continuidade das pesquisas quanto a presença dos policiais.
“No mínimo, esses estudos são inoportunos e acirram os ânimos que já não estavam calmos”, alerta o procurador Ubiratan Cazetta.
Dias antes, o governo já tinha enviado a Força Nacional para impedir manifestações no canteiro de obras da usina de Belo Monte, em Altamira (PA). As ações sinalizam o endurecimento da posição do governo Dilma Rousseff na implantação de hidrelétricas na Amazônia, que sofre oposição da sociedade civil e do movimento social.
A Constituição e a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ratificada pelo Brasil, obrigam a realização de consulta prévia às populações indígenas sobre qualquer empreendimento que afete seus territórios.
Versão diferente
Numa reunião no dia 15/3, em Itaituba, representantes da SGP entregaram às lideranças indígenas decisão anterior de Portela, de novembro, que concedia parcialmente pedido de liminar do MPF para suspender todos os procedimentos relacionados à implantação da usina de São Luiz do Tapajós. A decisão não suspendeu os estudos de impacto ambiental, mas apenas proibiu a concessão da licença prévia até que os indígenas fossem ouvidos. Determinou ainda que o MPF definisse como as oitivas deveriam ocorrer e que o governo fizesse a AAI (Avaliação Ambiental Integrada) dos impactos de todas as hidrelétricas previstas para a Bacia do Tapajós.
Apesar de notas publicadas pelo MME e pela AGU (Advocacia-geral da União), na semana passada, mencionarem apenas São Luiz do Tapajós, a SGP afirma que os dados serão incluídos na AAI.
O coordenador de Movimentos do Campo e Territórios da SGP, Nilton Tubino, diz que, no encontro do dia 15/3, comunicou a líderes Munduruku que os estudos de São Luiz do Tapajós prosseguiriam, independente da consulta. Na mesma reunião, os representantes do governo entregaram uma proposta própria para a consulta aos índios sob o argumento de que o prazo da Justiça para que o MPF se manifestasse sobre o assunto estava terminando.
“Estamos desde setembro tentando conversar com as comunidades. Quando começa a avançar a conversa, há um recuo novamente. Na verdade, isso [a operação] faz parte da decisão judicial também. Se temos de cumpri-la para fazer a consulta, também temos de cumpri-la para fazer os estudos”, defende Tubino.
Os Munduruku têm uma versão diferente. Francisco Iko conta que o combinado na reunião do dia 15/3 foi que os índios dariam uma resposta sobre a proposta em 15 dias. Para isso, precisariam reunir representantes de mais de cem aldeias do Alto e Médio Tapajós. Iko argumenta que não ficou claro para as lideranças que, enquanto isso, os estudos seguiriam. Quase uma semana antes do fim do prazo, a Força Nacional desembarcou em Itaituba. Os Munduruku consideram que houve uma quebra de acordo.
Há uma nova reunião marcada entre índios e governo para o dia 10/4. Os Munduruku pretendem ter uma posição sobre o caso até lá.
O MPF ainda não se manifestou sobre como a consulta prévia deve ocorrer. Ubiratan Cazetta argumenta que essa não é atribuição da instituição. Ele lembra que a própria SGP está conduzindo um debate com a sociedade civil e o movimento social sobre a regulamentação do tema.
Decisão tomada
A questão para os Munduruku é saber qual será sua influência efetiva sobre a construção da usina. Eles avaliam que a continuidade dos estudos de impacto ambiental mostra que o projeto avança sem que possam opinar sobre o assunto.
“Esse tipo de postura [do governo] transmite um sinal muito ruim, de prepotência, de que o diálogo com a comunidade será apenas formal, para ratificar uma decisão previamente tomada e que a opinião do grupo indígena afetado não será relevante”, comenta Ubiratan Cazetta.
A impressão é reforçada diante das informações que confirmam que o governo já tomou a decisão não apenas de seguir com os estudos de viabilidade, mas de tirar do papel as hidrelétricas de São Luiz do Tapajós e de Jatobá, alguns quilômetros rio acima.
As duas obras têm recursos previstos no PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) e o MME pretende inclui-las no leilão de energia que deve ocorrer no início de 2014, ano eleitoral. A pressa também explica a decisão inédita de enviar a força militar ao Pará: se os estudos não forem concluídos nos próximos meses, a expectativa pode ser frustrada.
No ano passado, o Palácio do Planalto já havia deixado clara sua determinação de implantar os empreendimentos, quando, para acomodá-los, alterou, por meio de Medida Provisória, os limites de seis UCs (Unidades de Conservação) na Bacia do Tapajós. Só o Parque Nacional da Amazônia perdeu 43,7 mil hectares, incluindo áreas desafetadas por causa da hidrelétrica e de invasões de produtores rurais (leia mais).
São Luiz do Tapajós tem 6,1 mil MW de potência instalada prevista, mas produzirá 3,3 mil MW de energia firme, com um reservatório de 722 quilômetros quadrados. Jatobá terá 2,3 mil MW de potência instalada prevista, 1,2 mil MW de energia firme e reservatório de 646,3 quilômetros quadrados.
Além delas, estão previstas mais uma usina no Rio Tapajós e outras em afluentes: mais uma no Apiacás, quatro no Jamanxim e mais seis no Teles Pires. Neste último, a usina Teles Pires já está em construção.