por Felipe Milanez, de Marabá
Após quase dois anos do assassinato do casal de ambientalistas José Cláudio Ribeiro e Maria do Espírito Santo, em Nova Ipixuna, no Pará, ocorrido no dia 24 de maio de 2011, três réus vão a júri popular na quarta-feira 3, em Marabá. José Rodrigues Moreira, acusado de ser o mandante, seu irmão, Lindonjonson Silva, e um terceiro, Alberto Nascimento, acusados de serem os executores, respondem pelo crime de homicídio qualificado que pode render a cada um 60 anos de prisão. Dois outros suspeitos citados em investigações da Polícia Federal, identificados por Gilvan, um fazendeiro e comerciante da região, e Gilsão, pequeno fazendeiro, se safaram da denúncia.
Em Marabá, movimentos sociais preparam uma série de manifestações. Prometem apresentar novas denuncias sobre violações de direitos humanos na região. No fórum onde o Tribunal do Júri será montado possui capacidade para receber 90 pessoas. Fora dali haverá uma grande mobilização. Manifestantes devem fechar parte da rodovia Transamazônica, onde está localizado o fórum. É o caso de maior repercussão da localidade – geralmente crimes de grande repercussão eram desaforados para Belém para não haver intimidação dos jurados. Além de problemas com a capacidade do local, dificuldades com o cadastramento da imprensa – até o momento será permitida apenas a presença de 10 jornalistas, sem nenhum esclarecimento sobre o motivo ou como será feita a escolha, e não será autorizado nenhum tipo de imagem – as forças de segurança também demonstraram preocupação. Foram convocadas forças especiais e a Tropa de Choque. Os manifestantes serão revistados nas estradas e um forte aparato de segurança foi montado em torno do fórum. “Vamos garantir a segurança de todos”, promete o Coronel Barbosa, coordenador da operação.
O crime ocorreu no Assentamento Agroextrativista Praia Alta Piranheira, a 50 quilômetros de Nova Ipixuna. Dois pistoleiros armaram uma emboscada. Ao lado de uma ponte em condições precárias, esperaram pelas vítimas, realizaram disparos e depois cortaram a orelha de José Cláudio. O motivo, segundo a denúncia do Ministério Público, teria sido a disputa de terras entre um pequeno fazendeiro que recém havia chegado a Nova Ipixuna, vindo de Novo Repartimento, José Rodrigues, e dois extrativistas, conhecidos como Tadeu e Zéquinha.
Rodrigues teria comprado ilegalmente a área onde eles viviam, e teria contratado pistoleiros para intimidá-los, e também haviam contratado a polícia local de Nova Ipixuna, que havia deslocado uma viatura para expulsá-los dos lotes sem mandato judicial. O casal José Cláudio e Maria, informados, denunciaram ao INCRA e à CPT a prática ilegal das expulsões e da compra do lote em assentamento. Com medo de perder a posse dos 144 hectares de terra, pela qual havia pago 100 mil reais nem um cartório em Marabá, Rodrigues teria encomendado a morte. Em dezembro de 2012, um ano e meio após a morte e com os réus já pronunciados ao júri e na prisão, o INCRA assentou Rodrigues e a mulher dele. Pressionado por organizações sociais, o instituto informou ao Ministério Público Federal no Pará que o assentamento do casal Rodrigues teria sido realizado de forma “equivocada” e prometeu reaver a decisão na Justiça. A família das vítimas, e mesmo membros da CPT, temem sofrer represálias em razão do erro grave cometido pelo INCRA.
A defesa dos réus alega que as evidências da autoria do crime por parte dos irmãos José Rodrigues e Lindonjson Silva seriam frágeis. A acusação baseia-se em uma série de testemunhas que refazem a trajetória dos criminosos a partir do local do crime e testemunhas que teriam ouvido os relatos de ameaças feitos por José Rodrigues. Uma das principais provas é uma touca de mergulho que teria sido utilizada por um dos assassinos para esconder sua face, encontrada no local do crime, e que conteria fios de cabelo dos dois irmãos.
“Eles não eram assentados. A polícia investigou as hipóteses de autoria dos crimes por madeireiros e carvoeiros e essa hipótese foi descartada. Depois investigou a hipótese de um crime de vingança por um crime que teria acontecido no assentamento um ano e meio antes. Também foi descartada. Na terceira hipótese, que de fato se materializou de acordo com esse conjunto probatório, de provas testemunhais e periciais e técnicas, ficou clara a participação dos acusados”, afirma José Batista, advogado da CPT e assistente da acusação.
No assentamento, familiares de José Cláudio e Maria vivem momentos de apreensão e tensão. A principal razão é que a família dos acusados (esposa e irmãos) continua ocupando as terras que estavam em disputa, dentro do assentamento. Na cidade de Nova Ipixuna, com praticamente todas as serrarias fechadas, o crime não é tão comentado mais. Parte da população local possui uma percepção oposta a que se formou na opinião pública sobre o crime: aqui, José Cláudio e Maria não seriam heróis, papel que caberia aos próprios acusados do crime. Dizem que o casal perseguia quem vendesse madeira ilegal ou cometia crimes ambientais, e por isso ele são mal vistos localmente.
Laisa Santos Sampaio tem recebido ameaças de morte desde a morte de sua irmã Maria. Com a proximidade do julgamento, ela diz que a situação ficou ainda mais tensa. “Mas o meu medo maior é depois”, ela diz. No almoço de família do domingo de Páscoa, no assentamento onde vive, algumas palavras constantemente mencionadas por Laisa eram “Estado” e “Justiça”.
“A terra foi o pivô do conflito. O pior de tudo, para nós da família, é que o INCRA achou por bem doar a terra para a mulher do Zé Rodrigues. Legitimou”, comenta. “A gente analisa o que resulta isso. Na mente dessas pessoas, é um prêmio para quem mata. Matar e receber uma terra que gerou todo esse conflito.”
Segundo Laisa, órgãos públicos federais que seriam responsáveis tanto por organizar o assentamento, no caso o INCRA, quanto reprimir os crimes ambientais, caso do Ibama, “terminam sendo coniventes com essas mortes”. Vinte e cinco anos após a morte de Chico Mendes, que era tão admirado por Zé Cláudio e Maria, Laisa, ameaçada de morte, comenta: “Falta atitude do governo. Tantas pessoas que já tombaram na Amazônia, e a gente assiste a esse descaso total.”
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Enviada por José Carlos para Combate ao Racismo Ambiental.