Carta dos Jovens Indígenas
“Jovens indígenas nas lutas de seus povos construindo o Bem Viver”
Nós, jovens indígenas dos povos Atikum de Rodelas, Atikum Nova Vida, Camakan, Fulni-ô, Guarani (Espírito Santo), Kaimbé, Kapinawá, Kayapó/ Marajoeiro, Kiriri de Banzaé, Kiriri de Muquém,Pankararu, Pankararu de Pernambuco, Pankaru, Pataxó do Extremo Sul, Pataxó Hã-Hã-Hãe, Potiguara, Tapuia, Truká, TrukáTupam, Tumbalalá, Tupinambá da Serra do Padeiro, Tupinambá de Olivença, Tupiniquim (Espírito Santo), Tuxá de Banzaê, Tuxá de Rodelas, Xakriabá (Cocos, Bahia), Xakriabá (Minas Gerais) e Xukuru Kariri; representantes de comunidades quilombolas e pescadores artesanais; representantes de movimentos sociais; entidades aliadas; parceiros; professores e estudantes universitários, reunimo-nos na Aldeia Serra do Padeiro, Terra Indígena Tupinambá de Olivença, Bahia, de25 a28 de outubro de 2012, para a realização do VI Seminário Cultural dos Jovens Indígenas do Regional Leste.
Sob o tema “Jovens indígenas nas lutas de seus povos construindo o bem viver”, o seminário ocorreu em uma área retomada conhecida como Unacau. Nesta área, retomada pelos Tupinambá em maio de 2012, vivem hoje algumas famílias indígenas, engajadas na luta de seu povo e na construção de um projeto de bem viver. Note-se que este conjunto de fazendas – em que se produzia cacau e, posteriormente, café e palmito – foi constituído com o emprego de mecanismos de expropriação fundiária, como grilagens de terras e ameaças. Nos tempos da Unacau e das empresas que a sucederam, registrou-se a ocorrência de trabalho escravo e também de intensos ataques ao ambiente, notadamente o desmatamento de grandes áreas. Nós, aqui reunidos, afirmamos o compromisso de transformar este espaço de morte em um espaço de vida, e desejamos instalar aqui a primeira universidade indígena do Brasil. Enfatizamos a necessidade de o Estado avançar na elaboração do projeto de criação da universidade indígena.
Exigimos do Estado brasileiro agilidade nos processos de regularização territorial, inclusive a ampliação dos territórios pequenos. Demandamos que o Estado respeite e cumpra a Convenção 169 da OIT no que diz respeito ao reconhecimento e aos direitos dos povos indígenas, bem como à regularização de seus territórios. Preocupados com as crescentes violações aos direitos dos povos indígenas, e dos povos e comunidades tradicionais como um todo, praticadas por particulares e pelo poder público, repudiamos e exigimos a imediata revogação da Portaria 303 da Advocacia Geral da União (AGU), do Projeto de Emenda Constitucional PEC-215, da Ação Direta de Inconstitucionalidade quilombola e das diversas reformas de códigos atualmente em curso (em especial, as alterações do Código de Mineração), que visam retirar direitos conquistados pelos povos e comunidades tradicionais. Repudiamos também o projeto de transposição do Rio São Francisco, a construção da barragem de Pedra Branca e Riacho Seco, a construção de uma usina nuclear em Itacuruba, no território Truká,a construção da usina hidrelétrica de Belo Monte e outros empreendimentos que impactam territórios tradicionais. Denunciamos ainda os graves abusos praticados pelo Estado nas áreas indígenas, sobretudo por ocasião de ações de reintegração de posse, e exigimos punição aos agressores. Finalmente, os povos aqui presentes solidarizam-se com a grave situação sofrida pelos Guarani Kaiowá, do Mato Grosso do Sul, e exigimos providências urgentes em relação à regularização de seu território. Estamos dispostos a lutar até a morte por nossos direitos.
Os povos aqui presentes decidiram pela ampliação da Comissão de Articulação dos Jovens Indígenas do Regional Leste (Cajirle), incorporando outros povos indígenas; com isso, ela passou a se chamar Comissão de Articulação dos Jovens Indígenas dos Regionais Leste e Nordeste (Cajirlene). Informamos ainda que apoiamos e referendamos todas as deliberações tomadas na plenária de saúde, que ocorreu paralelamente a este seminário, e apontou a grave e caótica situação em que se encontra a saúde indígena na Bahia; o documento da plenária da saúde encontra-se à disposição no relatório final.
Decidimos:
– Fortalecer a ação coletiva dos povos indígenas e comunidades tradicionais, para o enfrentamento das suas lutas, ampliando sua mobilização e articulação, realizando encontros ampliados, envolvendo também outros segmentos dos movimentos sociais;
– Estimular a participação dos jovens nas organizações de juventude já existentes e fortalecer o diálogo com as lideranças para o aprofundamento da organização da juventude em face das demandas atuais;
– Exigir a ampliação da representação indígena em todas as conferências realizadas pelo Estado, em todas as suas etapas, garantindo que os povos indígenas sejam efetivamente ouvidos ao longo de todo o processo;
– Publicar listas com os nomes dos perseguidores dos povos indígenas, com o objetivo de denunciar suas ações;
– Criar alternativas de geração de renda no interior das comunidades, com o intuito de fortalecer a autonomia dos jovens indígenas;
– Exigir a implementação de políticas públicas de prevenção de doenças sexualmente transmissíveis, bem como de políticas de cultura, esporte e lazer voltadas para os jovens indígenas;
– Exigir que o Estado garanta a estrutura necessária para a instituição de creches nas aldeias, respeitando a especificidade de cada povo e criando condições para que as mães continuem desenvolvendo suas atividades de estudo e trabalho, entre outras;
– Exigir a viabilização do acesso à internet nas aldeias, como estratégia de ação coletiva dos povos indígenas;
– Exigir que o Estado garanta avanços na educação superior indígena, ampliando a reserva de vagas para indígenas nas universidades, bem como o número de bolsas de permanência estudantil; garantindo transporte, hospedagem e alimentação para os indígenas participantes de processos de seleção distantes das aldeias; realizando processos seletivos, com provas diferenciadas, nas aldeias ou em pólos próximos às comunidades; criando cursos pré-vestibulares para os indígenas, com a atuação de professores indígenas e a utilização de materiais didáticos específicos; criando residências estudantis específicas para indígenas e ampliando as residências nas universidades em que elas já existam; desenvolvendo projetos de extensão e educação popular, para possibilitar o ensino e o aprendizado compartilhados dos saberes indígenas e das culturas dos povos tradicionais; incorporando a temática indígena em todos os cursos universitários; criando um sistema de reserva de vagas para indígenas na pós-graduação, bem como linhas de pesquisa específicas, bem como núcleos de estudantes universitários indígenas, aproximando as lutas dos povos indígenas e a formação acadêmica e profissional dos estudantes universitários.
Povos indígenas presentes:
Da Bahia: Atikum de Rodelas, Atikum Nova Vida, Camakan, Fulni-ô, Kaimbé, Kapinawá, Kiriri de Mirandela, Kiriri de Muquém, Pankararu, Pankaru, Pataxó do Extremo Sul, Pataxó Hã-Hã-Hãe, Potiguara, Tapuia, Truká, Truká Tupam, Tumbalalá, Tupinambá da Serra do Padeiro, Tupinambá de Olivença, Tuxá de Banzaê, Tuxá de Rodelas, Xakriabá de Cocos; Espírito Santo: Guarani e Tupiniquim; Minas Gerais: Xakriabá; Pernambuco: Pankararu; Pará: Kayapó/Marajoeiro.
Entidades presentes:
Associação Nacional de Ação Indigenista, Associação para o Resgate Social, Comissão de Articulação dos Jovens Indígenas do Regional Leste, Comissão Pastoral da Terra (Minas Gerais e Bahia), Comunidade Quilombola Brejo dos Crioulos (Minas Gerais), Congregação Divina Providência (Minas Gerais), Conselho de Cidadania Permanente, Conselho Estadual de Juventude da Bahia, Conselho Indigenista Missionário, Conselho Nacional de Juventude, Coordenação Estadual de Assentados e Acampados da Bahia, Escola Agrícola Comunitária Margarida Alves (Ilhéus, Bahia), Fundação Pau-Brasil, Grupo Tortura Nunca Mais, Jornal Voz da Juventude (Feira de Santana, Bahia), Jornal Voz das Comunidades (Feira de Santana, Bahia), Licenciatura Intercultural Indígena, Movimento de Luta pela Terra (Bahia), Movimento de Pescadores e Pescadoras Artesanais (Minas Gerais), Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra, MPP, Paróquia de Senhora Santana (Buerarema, Bahia), Paróquia São Sebastião (Camacan), Programa Geografar/ Universidade Federal da Bahia, Programa de Pesquisas sobre Povos Indígenas do Nordeste Brasileiro/ Universidade Federal da Bahia, Rede Nacional de Advogados Populares (Rio Grande do Norte), Secretaria de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos do Estado da Bahia, Secretaria de Desenvolvimento e Combate à Fome do Estado da Bahia, Secretaria de Infraestrutura do Estado da Bahia, Secretaria de Promoção da Igualdade Racial do Estado da Bahia, Secretaria de Relações Institucionais do Estado da Bahia, Secretaria de Políticas para as Mulheres do Estado da Bahia, Sociedade Ambientalista da Lavoura Cacaueira, Tribunal Popular do Judiciário (Maranhão), Universidade de Brasília, Universidade Estadual de Feira de Santana.
Fonte: Seminário Cultural dos jovens indígenas
–
Compartilhada por Gessiane Ferreira De Vasconcellos Dias.