Sustentabilidade é o tema do 3º Congresso de Mineração da Amazônia, que começou nesta segunda-feira (5), em Belém. No entanto a atividade é marcada pela presença de trabalho escravo, violência, desmatamento, péssimos indicadores socioeconômicos e a renúncia fiscal. O ciclo da mineração ganhou maiores proporções na Amazônia a partir da região de Carajás, com a presença da Vale na extração do minério de ferro na década de 1980.
Rogério Almeida (*)
Belém – 51 pessoas em condições análogas a escravidão foram libertas em carvoarias no sudeste do Pará. O caso ocorreu no dia 10 de novembro de 2008. As carvoarias integram a cadeia produtiva de ferro gusa na região de Carajás. O fato banalizado e às vezes omitido pela maioria da imprensa ocorreu no mesmo dia da abertura do congresso de mineração organizado pelas grandes empresas do setor, no confortável Hangar Centro de Convenções, em Belém.
Crianças de 15 anos e mulheres constavam no rol das pessoas flagradas pelo Ministério do Trabalho. A escravidão é um dos indicadores negativos que integram a cadeia produtiva da mineração na Amazônia. Tem-se ainda o desmatamento e a tensão sobre os territórios das populações locais e a prostituição infantil, entre outros fatores. Para não falar da Lei Kandir, uma criação dos tucanos que sangra os cofres públicos com isenção de impostos da exportação de produtos primários e semielaborados, e ainda a não cobrança do fornecimento de água e o subsídio em energia para as empresas.
Naquele momento da abertura do evento do patronato em 2008, a cadeia de gusa passava por uma crise. Em Açailândia, oeste do Maranhão, que abriga uma parcela do polo de gusa da região, operários recebiam férias coletivas. O motivo foi a crise econômica nos EUA, principal mercado consumidor da gusa produzida em Carajás, que consumia na época cerca de 60% da produção.
Nova crise no setor – A partir do dia 5 de novembro, as grandes corporações celebram o 3º Congresso de Mineração da Amazônia, sob o guarda-chuva da sustentabilidade. Assim como naquele momento, a cadeia de gusa experimenta outra crise. A Cosipar, empresa que opera na parte paraense do polo, no município de Marabá, sudeste do estado, encontra-se com as operações suspensas. A guseira não tem honrado compromissos com os fornecedores. Conforme os jornais e blogs de Marabá, somente para os fornecedores de carvão a empresa deve R$ 5 milhões.
Ainda no Pará, na mesma região, a empresa Onça Puma, que integra o portfólio da Vale passa por uma crise desde acidentes nos fornos da mineradora, que explora níquel no município de Ourilândia do Norte.
Um forno danificou em maio e o outro em junho. A recuperação de cada um dura pelo menos um ano a custo elevado. Pelo menos mil e quinhentos funcionários trabalhavam no local. Não se sabe se a Vale irá repassar o projeto para outra empresa. A Comissão Pastoral da Terra (CPT) denunciou passivos sociais e ambientais do projeto.
A siderúrgica Fergumar, implantada em Açailândia acaba de ser multada em R$ 489 mil por adquirir carvão vegetal sem licença. A multa foi aplicada pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (IBAMA).
Crianças em risco – No dia 13 de abril deste ano a Assembleia Legislativa abrigou uma audiência para debater a situação de vulnerabilidade de crianças e adolescentes na Ferrovia de Carajás, que escoa o minério de melhor qualidade do mundo da Serra de Carajás, no sudeste do Pará até o porto do Itaqui, na capital do Maranhão, São Luís. Em 2011 a empresa explorou 322. 632 toneladas de minério.
A ação pública contra a companhia é da responsabilidade da 1ª Promotoria de Justiça da Infância e Juventude de São Luís. O assunto é tema de um processo administrativo (PA 116/2005 – 1ª PIJ) em tramitação na promotoria, cujo titular é o promotor de Justiça Márcio Thadeu Silva Marques.
O assunto não é novo e não se constitui como problema isolado relacionado à infância e à adolescência no empreendimento da mineradora. É comum nas estações em que os trens de passageiros param encontrar crianças comercializando água, comida, frutas e outros produtos para os passageiros da classe econômica. A cada encontro a Vale não tem assinado o termo de reponsabilidade.
Vale – pior empresa social e ambiental do mundo – Por essas e outras a Vale foi laureada no início ano com o prêmio de pior empresa social e ambientalmente do mundo. A Public Eye People´s” é uma premiação realizada pelo Greenpeace da Suíça e pela ONG Declaração de Berna.
A Vale concorreu com as empresas Barclays, Freeport, Samsung, Syngenta e Tepco. Nos últimos dias da votação, a Vale e a japonesa Tepco, responsável pelo desastre nuclear de Fukushima, se revesaram no primeiro lugar da disputa, vencida com 25.041 votos pela mineradora brasileira.
O coletivo Justiça nos Trilhos, que uma rede mundial que busca pautar os passivos sociais e ambientais da Vale, é o grande responsável pela organização de dossiês, livros, documentários e mobilizações no presente contexto.
Mais indicadores negativos – O próprio setor empresarial do Pará reconhece que a atividade não dinamiza a economia local, apesar de contribuir com cerca de 80% do superávit do estado. Uma publicação da Federação das Indústrias do Pará (Fiepa), Mineração no Pará, organizado por Maria Amélia Enriquez. O Pará ocupa os últimos locais em Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), sendo o 16º. A renda per capita caiu da 14ª para 20ª entre 1994 a 2003.
21 municípios do Pará estão entre os cem que mais desmatam na Amazônia. Dessas duas dezenas de cidades, 19 estão no sudeste do Pará, que além da mina de Carajás abriga o pólo siderúrgico. Boa parte desses municípios que ocupa linha de frente em desmatamento também lidera o ranking de violência. Somente no primeiro semestre de 2010 cerca de 300 pessoas foram assassinadas de forma violenta no sul e sudeste do Pará.
Os estudos foram realizados através do Projeto Prodes – Monitoramento da Floresta Amazônica Brasileira por Satélite/2007. Uma outra questão, esta de ordem trabalhista, reside em índices recordes de ações contra a Vale no município de Parauapebas.
Mineração na Amazônia – O extrativismo tem regido a economia na Amazônia. O ciclo mais recente é o mineral, iniciado a partir da década de 1950 do século passado, no estado do Amapá, quando o mesmo ainda tinha o status de território.
A exploração do manganês na Serra do Navio foi ponta pé inicial. A experiência durou apenas cinco décadas. Ficou apenas o buraco, literalmente.
A exploração mineral no Amapá, considerada a primeira na Amazônia, foi ativada pela empresa estadunidense de Daniel Ludwig, a Bethlehem Steel Company em sociedade com o empresário Augusto Trajano de Azevedo Antunes, dono da Indústria e Comércio de Mineração S/A (ICOMI).
O ciclo da mineração ganhou maiores proporções na Amazônia a partir da região de Carajás, com a presença da Vale na extração do minério de ferro na década de 1980, no sudeste do Pará. Mas, com as atividades de prospecção inauguradas no regime militar.
O processo da transição democrática descortinou outros cenários na economia, política e na sociedade civil brasileira. Ainda que prepondere o constrangimento econômico e político em processos de definição de instalação de grandes projetos, há alguns avanços no campo normativo.
No entanto, tais avanços, – se podemos tratar assim -, carecem de aperfeiçoamento ou uma refundação. Para a instalação de grandes projetos o empreendedor é obrigado a atender uma série de exigências. Como o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e o Relatório de Impacto Ambiental (Rima), que devem ser apresentados em audiências públicas. Sob um grave problema, a assimetria de forças entre as parte envolvidas: grandes empreendedores versus comunidades tradicionais.
O processo é marcado por uma infinidade de limites, que passa pela incorreção e manipulação dos EIA/RIMA, não publicização das informações e a cobertura da mídia marcada pela parcialidade. O que denuncia a fragilidade da democracia nacional, que não universaliza o acesso ao direito. E que às vezes exibe as nuances autoritárias do Estado.
(*) Rogério Almeida é autor de Pororoca pequena – Marolinhas sobre a (s) Amazônia (s) de Cá e animador do blog Furo. Artigo publicado originalmente no blog do autor.
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