Carlos Alberto Dayrell
As minas eram tantas, aqui, acolá, eram gerais. Assim os paulistas se referiam, quando em suas entradas e bandeiras, iam encontrando as catas de ouro, diamante, nas vastas regiões de montanhas do que veio a ser denominado, a seguir, de Minas Gerais. Por isso, Minas Gerais. Mas, a exploração das minas não teria ocorrido sem os gerais. Quando a mineração de ouro foi cavando seus primeiros buracos, o minério não teria subsistido se não tivessem quem o catasse, quem os cavasse. E para assim acontecer, quem os catasse, quem os cavasse, estes precisavam de alimentos. De Comida. Foi a partir dos gerais, dos “baianos” que, subindo o rio São Francisco, veio o alimento. Ainda antes das minas. Estes iam plantando em suas margens as fazendas de gado, principalmente, nas vastas planícies e planaltos de caatinga, de mata seca, dos cerrados. E, com as fazendas, com o povo miúdo, as roças, as lavouras, as criações, a Comida. Assim, desde o começo, o nome emblemático de Minas Gerais toma outro sentido. Enquanto uma parcela dos ocupantes se preocupava com a exploração minerária, nas MINAS, outros se ocupavam com a produção de alimentos, nos GERAIS. Os gentios, os índios que aqui viviam eram estorvo, principalmente quando eles resistiam ao trabalho escravo, quando eles resistiam à ocupação branca de suas terras. Mas, com eles os baianos aprimoraram o cultivo da terra, com eles conheceram o milho, a mandioca, as abóboras, os feijões, o abacaxi, a pesca, os animais de caça, as plantas de cura. E, não podemos esquecer ainda neste primeiro parágrafo, que as minas de ouro, de diamante podiam ser exploradas porque das montanhas de Minas também minava água. Muita água.
O tempo passando, as minas de ouro, diamante, exauriram, então, brancos, negros, mestiços, foram em busca de outras formas de viver. Adentraram pelo sertão. Foi quando a economia agrícola e pastoril forjou a ocupação das montanhas, das planícies e dos planaltos de Minas Gerais. Mas, quando no século seguinte, estamos falando agora do século XX, o Brasil faz a opção pela industrialização, a riqueza mineral do subsolo de Minas Gerais desponta como mais uma possibilidade econômica. Possibilidade que vai tomando conta não apenas da economia, como também da política, e, a seguir, de uma quase totalidade. Minas Gerais passa a ser pensada quase que exclusivamente a partir de Minas. Dos Mineiros. Dos Gerais, nada muito mais que os votos. Os vastos gerais e seus povos são encobertos. Surgem, muitos anos depois, pelos surtos de seca, dos flagelados, forjados então pelo manto da miséria, da fome. Toda uma rede de clientelismo, do coronelismo, formados neste período, subsiste de forma conveniente, aos interesses dos mineiros.
O tempo passa, pouco muda. O período FHC cede espaço para o período Lula. Com ele a esperança de outro Brasil, um Brasil de todos. O Brasil muda, o país mudou. Mas, sustentar a mudança não é uma tarefa fácil. O crescimento econômico é a mola que mantêm o sonho do consumo. Todos consumindo. Automóveis, televisão, computadores, geladeira, ar condicionado, refrigerantes, garrafas pet, celulares … Os buracos da era do ouro e do diamante desaparecem frente às crateras que vão consumindo montanhas e mais montanhas… As águas de Minas vão minguando, sujas e contaminadas, precisam ser captadas cada vez mais distante. Os alimentos, estes, vão sendo produzidos de forma industrial, embalados pelos fertilizantes químicos, agrotóxicos, e agora, transgênicos, a mais nova modernidade. Mas, as montanhas de Minas não estão sendo suficientes. Vão então em busca das montanhas dos Gerais. As serras do Espinhaço, que corta os Gerais, é a nova fonte de cobiça. Vale, Eike Batista, MMX, Carpathion, são os grupos dos mineiros, que nem de Minas mais são, encarregados de levar a boa que chamam de nova.
Hoje, não temos mais dúvidas nenhuma que precisamos mudar. Todos já estamos sabendo que o clima no mundo está mudando, rapidamente. Todos sabemos que este estilo de vida que sustenta o crescimento não tem condições de se manter. Não sabemos? Sabemos sim. O país mudou! Mudou? Minas Gerais, mudou! Mudou? Mudou nada. Infelizmente, a opção está sendo pela destruição. Destruindo as minas de água que hoje, todos sabemos, são fundamentais, o mais importante de tudo. Destruindo os povos dos gerais. Sim, aqueles que são conhecidos como geraizeiros, vazanteiros, Xakriabá. Povos que souberam conviver com os ecossistemas, que ainda tem esta sabedoria, conhecimento que se torna fundamental neste momento em que tudo é norteado pela capacidade de consumo. Consumo assentado na destruição. Mas, embalados pela inércia, continuamos no mesmo caminho. É mais fácil, afinal, o sistema funcionando é mais fácil. É como se não fosse com a gente. Apenas noticiário de televisão. As enchentes, as secas, as queimadas, a radioatividade, os alimentos contaminados. Damos a nossa contribuição fechando um pouco mais as torneiras, separando o lixo reciclável, para tudo continuar na mesma. Até quando chegar à nossa porta. Então, não teremos mais para onde fugir. Não teremos mais como fugir.
Ah, estão falando do decrescimento. Eu ouvi. Você já ouviu?
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Montes Claros, 11 de setembro de 2011
http://nasimensidoesdosgeraes.blogspot.com/2011/09/opcao-pela-destruicao.html