Jeovah Meireles*
A carcinicultura (criação de camarão em cativeiro ou camarão de granja) faz parte da lógica da modernização agrícola adotada pela indústria agroalimentar mundial que obedece ao modelo desenvolvimentista agroexportador de matérias-primas.
Para alcançar níveis elevados de produção, os danos socioambientais deste “desenvolvimento” foram: privatização de territórios ancestrais de comunidades de pescadores e indígenas; extensas piscinas substituindo a biodiversidade do ecossistema manguezal por monoculturas; danos à produção de bens e serviços ambientais – principalmente os associados aos nutrientes, captura de dióxido de carbono e proteção do litoral contra a erosão – por um sistema de cultivo ineficiente; impactos cumulativos nas bacias hidrográficas, com graves externalidades socioambientais.
Constatou-se que esta atividade industrial dentro dos manguezais comportou-se de forma desigual e autoritária, caracterizada pela disputa e concentração de poder na apropriação e mercantilização dos espaços e dos recursos ambientais.
Estudos oficiais (Ibama, 2005; Embrapa, 2004) definiram que, do total das fazendas licenciadas pela Superintendência Estadual do Meio Ambiente (Semace), 84,1% impactaram diretamente o ecossistema manguezal (fauna e flora do mangue, apicum e salgado), 25,3% promoveram o desmatamento do carnaubal e 13,9% ocuparam áreas antes destinadas a outros cultivos.
Além dos financiamentos (Banco do Nordeste investiu mais de R$ 54 bilhões em 2005), os carcinicultores receberam subsídios – elevadas somas de água e desconto de 73% na tarifa de energia elétrica – para, ao final, e de acordo com estudos realizados pelo Ibama, gerar baixíssimos níveis de emprego. Investimentos financeiros que deveriam ser aplicados na melhoria da qualidade de vida das populações foram destinados a uma atividade predatória e insustentável dentro. Ao serem degradados, interferem na produtividade pesqueira dos nossos mares, uma vez que mais de 65% das espécies marinhas têm seus ciclos associados aos baixos cursos fluviais.
O ecossistema manguezal é fundamental para a subsistência humana, para a biodiversidade e para amortecer o aquecimento global. A destruição de seus componentes com a implantação dos viveiros de camarão potencializa o colapso ambiental e privilegia uma atividade que se tem revelado como responsável pela reprodução de injustiças. Está vinculada à exclusão dos povos do mar de seus territórios e à insegurança alimentar ao inviabilizar as práticas que sustentam seus modos de vida.
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*Professor do departamento de Geografia da Universidade Federal do Ceará (UFC) – [email protected].