Marcelo Freixo*
Meu pronunciamento hoje diz respeito a toda essa polêmica envolvendo a empresa Delta, o Sr. Eike Batista e o Governo do Estado – não poderia ser diferente.
Por formação, sou professor de História – estou Deputado, Deputado não é profissão. Como professor de História, sempre tive muitas dificuldades em Matemática. Para fazer contas era um problema. Eu ficava desesperado quando aparecia assim: “descubra o valor de x”. Eu tinha pânico! E não é que isso me persegue, Deputado? Qual é o valor de x? Isso volta à tona no debate do Rio de Janeiro: quanto vale x? Talvez valha bem menos do que o próprio imagina.
O cinismo, a desfaçatez, o deboche do Sr. Eike Batista – o “homem x”, cujo valor não se sabe bem qual é – não combinam com os dados que conseguimos. O Sr. Eike Batista gosta de financiar campanhas, mas a minha ele nunca financiou e nunca financiará – nem a minha nem a de muitos Deputados daqui –, então, não há problemas. Conseguimos ter a independência necessária de que este Parlamento precisa para fazer os questionamentos.
Sabemos que o Governador, na sexta-feira, dirigindo-se à Bahia, passou por um episódio terrível, um acidente. Todos nós respeitamos a dor decorrente desse acontecimento brutal. É uma questão privada, que merece todo o respeito e consideração, mas existe uma questão pública que precisa ser apurada. Então sabendo, com maturidade, separar essas coisas, as questões públicas precisam ser cobradas.
Foi dito aqui que se considera normal o Governador ir para a Bahia no avião do Sr. Eike Batista e que seria normal também ele estar indo para a Bahia para participar de uma festa de um empresário dono de uma empreiteira com grandes investimentos aqui no Rio de Janeiro. Pois bem. Primeiro, eu não acho isso natural. Aliás, nada deve parecer natural; nada dever parecer impossível de se mudar, como já dizia o bom Brecht. Agora, é importante também dizer que o Sr. Eike Batista lançou uma nota dizendo que ele empresta o avião dele para quem ele quiser; que ele faz com o dinheiro dele o que ele quiser e que ele não tem nenhum investimento com o Governo do Estado. Eu quero dizer que o Sr. Eike Batista mentiu. Não é verdade.
É verdade que ele é uma pessoa muito rica – o oitavo mais rico do mundo -, talvez venha daí a sua soberba. O problema é que o seu dinheiro não compra a verdade ou não cria uma nova verdade, por mais que ele possa viver no mundo das fantasias e dos grandes investimentos, sonhando com o Rio de Janeiro sem pobres ou pelo menos com os pobres muito distantes dos grandes eventos.
Eu quero dizer que eu fiz um levantamento. O Sr. Eike Batista, o homem “X”, de valor indecifrável, diz que não tem investimentos no Governo do Estado. Primeiro que a empresa OGX, de petróleo, pertencente ao Sr. Eike Batista, recebeu no Governo Cabral, de 2007 a 2010, isenção fiscal no valor de sessenta e nove milhões de reais. Como não tem vínculos econômicos com o Governo? Tem sim, e não é pequeno.
Depois, a sua empresa LLX Minas-Rio, recebeu também, em função do Porto do Açu, mais seis milhões de isenção fiscal. Tem relações econômicas com o dinheiro público, sim. Mentiu. Tem. Setenta e cinco milhões de isenção, nos últimos quatro anos, do Governo do Rio de Janeiro. Como é que não tem? Empresta avião para quem quiser. Que história é essa? Tem interesse público e privado misturado. Isso tem que ser investigado; isso é grave. Isso é muito grave.
É curioso que o Sr. Eike Batista também é doador para a campanha do Governador Sérgio Cabral. Ele diz que ele doa dinheiro para quem ele quiser. Ele doa dinheiro pra quem ele quiser nada; ele doa dinheiro para quem aceita. Ele doou setecentos e cinquenta mil reais para a campanha do Governo: um por cento do que ele ganhou de isenção. Que nobre coincidência. A doação do Sr. Eike Batista para a campanha do Governador correspondeu a um por cento da doação, da isenção – perdoem o ato falho – que o Governador deu ao Sr. Eike Batista para duas de suas grandes empresas. Como não tem interesse? Chega de cinismo.
Mais do que isso. Uma parte grande dos investimentos do Sr. Eike Batista é feita com dinheiro do BNDES, é feita com dinheiro público. Tem milhões de problemas trabalhistas, ambientais e sociais; está questionado pelo Ministério Público. Tem uma diversidade de flexibilizações colocadas pelos órgãos fiscalizadores, que poderiam fiscalizar muito melhor as suas empresas.
Está aqui o Ministério Público Federal: “O Ministério Público Federal verificou” – percebam os senhores – “que o projeto”, eu estou falando do Porto do Açu, “foi licenciado sem que se conhecesse sequer o traçado do mineroduto e que ele atingiria vários sítios históricos e arqueológicos ao longo do seu caminho, com impacto sobre comunidades tradicionais, às quais não foram sequer consideradas relevantes no Eia-Rima”. Conseguiu autorização; flexibilizaram tudo. O Ministério Público Federal recorreu; o Ministério Público Federal disse que é um escândalo. E mais, estou falando de pareceres do Ministério Público Federal. Está aqui!
O Ministério Público Federal diz o seguinte: “os motivos seriam fato de o empreendimento não haver sido licitado”. Não há licitação. A cessão da área para o porto ter sido indevida e a licença ambiental dada ao empreendimento ocorreram sem a aprovação do estudo do impacto ambiental. Não houve estudo de impacto ambiental. É uma vergonha! E ele vem para cá dizer que não tem nada a ver com a iniciativa pública, que a dele é só iniciativa privada, que ele não tem investimento!?
Senhores, o Hotel Glória que ele comprou, em 2008, recebeu 146 milhões do BNDES. Só esse investimento. Quer dizer que ele não tem nada a ver com dinheiro público? Ele não tem nenhum problema com dinheiro público? E aí ele empresta o avião dele para quem ele quiser? Não é bem assim a história.
Vimos aqui desmascarar a fala cínica do Sr. Eike Batista ontem. Ele tem responsabilidade e tem interesse nas questões públicas do Rio de Janeiro. Os seus grandes negócios passam sim por investimentos, licenças e pareceres do nosso poder público. Então, não é boa, não faz bem para o espírito republicano essa relação de empréstimos de aviões, de jatos ou disso e daquilo para quem deveria ter um pouco mais de cuidado nessas relações. Não é bom. Para o mínimo espírito republicano.
O que eu estou dizendo é que isso precisa ser investigado. Não estou antecipando nenhum julgamento. Mas estou dizendo que isso tem que ser investigado. Da mesma maneira, tem que ser investigada a empresa Delta. Lamentavelmente, o líder do Governo veio ontem aqui dizer que a empresa Delta tinha feito todos os seus negócios com o Governo do Estado através de licitação. Lamento dizer que não é verdade. Não é verdade!
Só em 2010, Srs. Deputados e Deputadas, sem licitação, a empresa Delta recebeu R$ 127 milhões. Só em 2010, o que corresponde a 23% do total de 2010 empenhados para a empresa Delta. Só em 2010. Era nesse evento, do aniversário do dono dessa empresa Delta que o Governador estava se dirigindo no jato do Sr. Eike Batista. Perdoem-me, mas essa não é uma questão privada. A questão privada eu respeito e não temos nada a ver com isso. Mas não é isso. É que essa agenda mistura uma questão privada com uma questão pública seriíssima. Seriíssima!
Não é normal, não pode ser vista como normal. Não adianta dizer que só no mundo privado de um fim de semana. Na segunda, essas pessoas continuam se conhecendo e se encontrando. Por que a grande concentração de investimentos em 2010, ano de campanha? Por quê? O total do contrato com a Delta, senhores, é de R$ 918 milhões só neste Governo. Os números são assustadores. Essas relações privadas não ficam no campo privado. Trazem uma necessidade muito grande de explicações públicas. Públicas!
Essas relações, senhores, não são naturais. Colocam sob suspeita as decisões públicas que envolvem dinheiro público e convênios públicos. Espero que esta Casa exerça o seu papel fiscalizador e já estamos fazendo isso.
Hoje, um grupo de Deputados preparou um requerimento de informação, cobrando as informações pertinentes, tanto referentes aos negócios do Sr. Eike Batista como da Delta. E o Governador tem obrigação de responder. Essas respostas são importantes para que possamos esclarecer que o mundo privado realmente não se mistura com o mundo público. É o que desejamos.
*Marcelo Freixo em pronunciamento no plenário da Alerj em 22/6/11.
Enviada por Emilia Wien.