Para procurador, cidadãos que colheram material biológico da etnia sem autorização foram condenados a pagar quantia irrisória
Procuradoria Regional da República – 1ª Região
Em dois recursos ajuizados no Superior Tribunal de Justiça e no Supremo Tribunal Federal, o Ministério Público Federal quer aumentar o valor da indenização devida à comunidade indígena Karitiana, em Rondônia. A condenação foi atribuída a dois cidadãos acusados de ludibriar os habitantes da aldeia a permitirem coleta de sangue sob promessa de receberem ajuda humanitária, quando na verdade, o material seria utilizado em pesquisas genéticas. Apesar de a ação civil pública pedir a indenização de R$ 500 mil pelos danos morais causados aos índios, o acórdão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região estipulou o valor de R$ 50 mil para cada réu.
Para o MPF, a quantia definida para a indenização é inadequada, tendo em vista que o número de integrantes da comunidade que tiveram seu material colhido e não devolvido é expressiva, 106 de 160. “Não é uma demanda individual, logo há necessidade de se esclarecer se o valor fixado é por integrante da comunidade ou para toda ela, pois se para toda a comunidade o valor é ínfimo e irrisório”, esclarece o autor dos recursos, procurador regional da República Marcelo Antônio Serra Azul.
Segundo ele, o acórdão reconheceu que houve grave violação à comunidade Karitiana, mas deixou de levar em conta que a coleta indevida de sangue é algo que atinge a alma, dignidade, os costumes e a cultura dos indígenas. Além disso, os recursos enfatizam que o valor da indenização foi calculado com base nas condições de pagamento dos réus, sendo que o correto seria o cálculo de acordo com a extensão do dano. “O fato de os índios da comunidade indígena Karitiana terem sido enganados demonstra o total desprezo dos condenados para com a etnia, o que demonstra sua atitude preconceituosa e torpe”, defende o procurador. Serra Azul ainda ressalta que um dos réus é médico graduado com mestrado e doutorado e, pelo fato de ter sido convidado para participar como consultor de programa do Discovery Channel sobre a lenda do “Maqponguari”, demonstra não ser apenas um mero professor universitário, mas sim pessoa de muitos contatos, inclusive no meio televisivo.
Nos recursos, o MPF quer a fixação correta do valor a ser pago como indenização pelo dano moral causado, passando de R$ 50 mil reais para cada réu ao valor de R$ 500 mil, a ser suportado solidariamente por ambos pesquisadores.
Relembre o caso – Hilton Pereira da Silva e Denise da Silva Hallak foram autorizados pela Fundação Nacional do Índio (Funai) a entrar na aldeia dos Karitiana para produzirem documentário sobre as lendas do grupo. Mas, durante a visita, realizada em 1996, eles recolheram amostras de sangue dos índios sem qualquer autorização da Funai, prometendo-lhes doação de medicamentos e realização de exames laboratoriais para detecção de doenças que assolavam os indígenas. O material biológico, de acordo com o MPF, é valorizado no âmbito da biopirataria.
Por causa da coleta, a Procuradoria da República em Rondônia (PR/RO) ajuizou uma ação civil pública em 2002 e pediu que os réus pagassem indenização por dano moral aos Karitiana no valor de R$ 500 mil. O Ministério Público ainda solicitou que os dois fossem impedidos de praticar qualquer ato relacionado ao material biológico da tribo sem autorização expressa da Funai e da própria comunidade.
A 5.ª Turma do TRF1 atendeu ao pedido do MPF, porém, fixou a indenização devida à comunidade indígena em R$ 50 mil para cada acusado, valor que o MPF pretende majorar para R$ 500 mil nos recursos ajuizados no STJ e STF.
Processo nº: 0004017-65.2002.4.01.4100