Alex Rodrigues* – Agência Brasil
Brasília – Durante audiência pública que ocorreu ontem (22) na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) do Senado para discutir as graves violações aos direitos indígenas documentadas pelo Relatório Figueiredo – produzido de 1967 a 1968 pelo próprio governo militar – organizações sociais alertaram para o que classificam como o recente “retrocesso” na garantia dos direitos humanos, em particular na questão indígena.
“Há um preocupante retrocesso em direitos humanos e as luzes amarelas se acendem em vários setores e nos alertam para os perigos da repetição”, disse o vice-presidente do Grupo Tortura Nunca Mais em São Paulo, o historiador Marcelo Zelic, um dos convidados para falar sobre a importância da recente localização do Relatório Figueiredo, que estava desaparecido por mais de 40 anos. O documento vem sendo analisado pela Comissão Nacional da Verdade.
Foi Zelic quem, em abril deste ano, localizou o relatório entre os muitos documentos guardados no Museu do Índio do Rio de Janeiro. Dado como perdido em um incêndio, o documento de mais de 5 mil páginas foi elaborado pelo procurador Jader de Figueiredo Correia (já falecido), por iniciativa do extinto Ministério do Interior.
Com uma equipe de técnicos e policiais, Figueiredo percorreu o país apurando denúncias de crimes cometidos contra a população indígena. Em seu relatório, o procurador apontou a expulsão e o extermínio de tribos inteiras, além do uso de tortura e outras formas de violência, muitas vezes praticadas pelos próprios servidores do extinto Serviço de Proteção ao Índio (SPI), órgão indigenista federal que antecedeu a Funai (criada em 1967).
Para o secretário executivo do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Cleber Buzatto, a mesma ânsia desenvolvimentista apresentada décadas atrás como justificativa para as atrocidades praticadas contra os índios – então apontados por alguns setores como um entrave – são recicladas hoje, quando os índios reclamam a demarcação de suas terras ou protestam contra grandes empreendimentos que entendem que afetarão suas comunidades.
“Há um sentimento análogo. Um processo, uma onda de ataques, de violações contra os povos indígenas e seus direitos. O pano de fundo é o mesmo entendimento de que é preciso fazer o que for porque o país precisa se desenvolver. E o conceito de desenvolvimento é o mesmo que justificou todos os massacres registrados noRelatório Figueiredo”, comentou Buzatto.
O secretário executivo do Cimi citou, entre as ameaças atuais, iniciativas do Legislativo – como a tentativa de transferir da Funai para o Congresso Nacional a palavra final sobre a demarcação de reservas indígenas – e do próprio Executivo, como a Portaria 303, da Advocacia-Geral da União (AGU), atualmente suspensa, que estende para todos os processos demarcatórios de terras indígenas as 19 condicionantes impostas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para a Raposa Serra do Sol.
“É preciso reverter esse processo. Daí a importância do Relatório Figueiredo. São informações que vão demonstrar que é preciso reparar os muitos erros cometidos contra os povos indígenas”.
Para a senadora Ana Rita (PT-ES), presidenta da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa, o relatório, além de trazer à tona informações sobre parte do que aconteceu aos povos indígenas na história recente do país, é capaz de chamar a atenção do próprio governo.
“Neste momento, em que o Brasil busca desenvolver políticas públicas e econômicas para que possamos nos desenvolver, não devemos fechar os olhos para essa realidade. As falas de hoje chamam sim a atenção do governo e do parlamento brasileiro. Há várias iniciativas legislativas tramitando no Congresso Nacional que precisam ser revistas e esta comissão vai fazer todos os esforços no sentido de não permitir que iniciativas que tragam prejuízos para as populações indígenas sejam aprovadas”, disse a senadora.
Já o senador Randolfe Rodrigues (PSOL-AP) viu nas falas de Zelic e Buzato “uma denúncia de que negligências estão ocorrendo e de que o governo não pode se curvar às vontades de determinados segmentos”. Ele comentou proposta do governo para ampliar o número de órgãos que participam dos processos de demarcação de território indígena, o que motivou a suspensão dos trabalhos demarcatórios no Paraná.
“É, a meu ver, equivocada, por exemplo, a posição do governo de suspender a demarcação de terras indígenas no Paraná. Vimos que há uma ofensiva contra os direitos dos povos indígenas”.
A reportagem da Agência Brasil procurou a Secretaria de Direitos Humanos e o Ministério da Justiça para repercutir as opiniões dos participantes da audiência, mas não recebeu respostas.
*Edição: Davi Oliveira
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Enviada por José Carlos para Combate Racismo Ambiental.