Programa de visita a piscinas ‘tóxicas’ denuncia desastre petroleiro na Amazônia equatoriana

Organizações sociais equatorianas deram o nome irônico de “Toxic Tour” ao roteiro, que mostra áreas contaminadas pela Texaco na região

Vitor Taveira, Opera Mundi

O ônibus percorre o asfalto cercado de vegetação amazônica. A imagem se confundiria com mais um passeio turístico para conhecer as maravilhas naturais da floresta, não fosse a aparentemente infinita linha de canos, muitos tomados pela ferrugem, que acompanham as margens da estrada. “Vivemos sobre uma bomba relógio”, diz Stalin Ube, presidente da Associação de Trabalhadores Petroleiros de Shushufindi.

Pelos canos, passa petróleo cru. Estamos em Sucumbios, província no norte da Amazônia equatoriana, cenário de um dos maiores desastres ambientais da histórica do planeta. Ali se perfurou o primeiro poço petroleiro do país em 1964, pela empresa Texaco (hoje Chevron), que foi condenada pela Justiça num processo movido pela união de 30 mil pessoas da região afetadas pela contaminação, que pode alcançar 450 mil hectares.

Ivonne Macias, integrante do Comitê de Direitos Humanos de Shushufindi, cidade onde se encontram diversos poços petroleiros, afirma que a luta das vítimas trouxe repercussão nacional e internacional para o caso das piscinas tóxicas, o que atrai pessoas e organizações de diversos países a conhecer de perto a situação. A retirada do petróleo profundo do subsolo traz com si a chamada água de formação, que sai junto com seus resíduos tóxicos.

“Cavaram as piscinas no meio da selva para ir depositando todos esses resíduos. Mas estas deveriam estar recobertas por geomembranas conforme o plano ambiental, mas isso não foi feito. Com isso a empresa gerou uma economia muito grande sem se importar se ia afetar a população com a contaminação do solo, água e ar”, diz.

A Chevron chama de “falsas” as alegações de danos ambientais e sociais e afirma que está se defendendo. De acordo com a companhia, o julgamento dos tribunais do Equador foi “produto de fraude e extorsão, considerando-o inexequível”.

Mãos com petróleo

Artistas como o ator estadunidense Danny Glover e o grupo porto-riquenho Calle 13 e até o próprio presidente equatoriano, Rafael Correa, foram conhecer de perto a poluição deixada por mais de 800 piscinas e fossas de elementos tóxicos criados pela transnacional petroleira. Como virou costume, colocam uma das mãos sobre o petróleo derramado e a exibem. Símbolo parecido ao que no Brasil ganhou significado relacionado com a soberania nacional com os gestos de Getúlio Vargas e Lula, no Equador virou sinônimo de adesão à campanha chamada “La Mano Sucia de Chevron”, que denuncia o desastre petroleiro nas províncias de Subumbios e Orellana.

Pablo Fajardo, advogado principal das vítimas, lembra que a realização dos Toxic Tour, assim como o estabelecimento do irônico nome que leva, teve inicio em 2005 de forma espontânea, não planejada. “Sua importância é imensa, pois foi a maneira que as vítimas encontraram de mostrar ao mundo que o que a petroleira diz é mentira, pois o dano é real, está aí visível”, enfatiza o advogado.

Macias explica que, ao receber uma solicitação de visita, os comitês de Direitos Humanos e de Organizações Sociais de Shushufindi que realizam um roteiro e visita prévia dos locais a ser conhecidos em cada tour. Mesmo sem permissão, o acesso aos locais não é difícil. Geralmente não há seguranças nas zonas, apenas trabalhadores, que saúdam amigavelmente o sindicalista Stalin Ube, que costuma ir à frente.

Mesmo com a saída da Texaco do país, com a entrada de outras empresas estrangeiras e inclusive estatização, os problemas continuam, afirma Ube. “A empresa estatizada Petroamazonas, que opera agora, fala que trabalha com padrões internacionais de qualidade, mas na prática não é bem assim”, denuncia o petroleiro.

Visitante pode ter ‘sorte’ e ver acidentes

Por isso, os tours incluem não só as piscinas de dejetos deixadas há décadas, mas também mostram como ainda hoje há um precário manejo do lixo tóxico, poços desativados em deterioração e gás sendo liberado ao ar livre. Com “sorte”, o visitante pode ver um dos derrames ou acidentes que acontecem praticamente todos os meses na região. Trabalhadores encarregados da remediação de acidentes não quiseram gravar entrevista, mas também criticaram a política da empresa estatal.

O brasileiro João Gabriel Almeida, que realizou o Toxic Tour como participante do projeto Expedición Abya Yala, considerou a experiência marcante. “A gente imagina que haja pessoas sofrendo com a ação das grandes empresas, mas fazer o Toxic Tour foi praticamente viajar num filme pós-apocalíptico e perceber que a paranoia da ficção científica ocorre na realidade e muito perto de nós”, afirmou. “Estamos convertendo regiões megabiodiversas em centros de produção cancerígena. Vivenciar isso de frente, ver as pessoas que enfrentam esses problemas, torna tudo ainda mais intenso. É um tipo de experiência que te deixa muito desnorteado”.

Responsabilidades

Fajadro é taxativo sobre as responsabilidades envolvidas no caso. Para ele, o desastre ambiental não se deve a um acidente e nem à possibilidade de que a empresa não soubesse como manejar de maneira técnica a extração de petróleo para minimizar os danos ambientais, já que várias medidas eram aplicadas pela mesma companhia em outros países.

“O dano se deu porque a direção da empresa petroleira optou por implementar uma tecnologia que permitia obter mais lucros com menor investimento. Acreditavam que, por ser a Amazônia equatoriana, ninguém reclamaria, nem diria nada. Por isso, decidiu economizar e usar a tecnologia mais atrasada”, acusa. Para o advogado dos afetados pelo caso, a incapacidade do estado de controlar e aplicar a legislação que regula e proíbe a contaminação, também poderia ser considerado um delito de omissão.

Os efeitos são diversos: altas taxas de câncer na população local, perda de animais, infertilidade do solo e até a extinção de duas etnias indígenas, os Tetetes e os Sansahuari, além de outras que estão ameaçadas.

A batalha jurídica do caso já leva mais de 20 anos, desde que foi criada a associação das vítimas, hoje chamada Unión de Afectados por Texaco (UDATP). Pese a condenação da Chevron em 2011, a empresa posterga com recursos o pagamento dos 19 bilhões de dólares a que foi condenada para reparação dos danos.

Como a empresa não opera e não possui mais ativos no Equador, uma das estratégias jurídicas dos afetados tem sido pedir o embargo do patrimônio da empresa em outros países em que opera como Argentina e Canadá, o que demanda que a sentença emitida no Equador seja reconhecida na Justiça desses países.

Imagem: Técnicos mexem em área afetada no Equador (Foto: Vitor Taveira/Opera Mundi)

Enviada para Combate Racismo Ambiental por Priscylla Joca.

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