Chamar o capeta por nome de santo não o torna milagreiro, por Leonardo Sakamoto

Leonardo Sakamoto

Gostamos de fugir da natureza de nossos problemas, maquiando-os ou jogando-os para baixo do tapete. Lembram quando gestores públicos sugeriram pintar de verde barracos de comunidades pobres localizados em morros para, na prática, diminuir a agressão estética?

Governos são craques nisso. Dilma e Alckmin já inventaram tantos nomes para a burrada de planejamento que levou à falta de água nos reservatórios para geração de energia (culpa dela) ou para consumo humano (culpa dele) que as piadas perderam a graça.

Já, no Congresso Nacional, há muito tempo reescreve-se a bíblia trocando-se Jesus por Eduardo. Ou, ao contrário, avisam que apenas estão revisando de leve o texto bíblico e, de repente, um correligionário surge na Última Ceia.

E, com isso, situações de trabalho escravo e de trabalho infantil podem deixar de ser ilegais num passe de mágica.

Tramitam, em Brasília, propostas que rebatizam formas de exploração. Por exemplo, três delas querem alterar o conceito de trabalho escravo contemporâneo. Uma está no projeto do novo Código Penal, outra na proposta de regulamentação da emenda constitucional 81/2014 (que trata do confisco de propriedades de quem usou escravos) e a última na Comissão de Agricultura da Câmara dos Deputados. Dizem que restringir o conceito do problema a algo que os possíveis agressores entendam ajudará a combatê-lo.

Como diria Maria das Graças Meneghel: Ahã, Claudia. Senta lá.

Como se, de repente, o número de assassinato diminuíssem loucamente porque, a partir do começo do ano, só fosse considerado assassinato quando você matasse uma pessoa na Praça da Sé, na hora do almoço, avisando a polícia de que isso ocorreria com certa antecedência para dar tempo a todo mundo comer seu churrasco grego com suco grátis (como eu amo aquele churrasco grego vendido no Centro de São Paulo).

No caso do trabalho escravo, querem praticamente que se traga o pelourinho e os grilhões como provas, além de um teste de DNA no sangue do chicote e uma declaração do feitor – assinada em três vias e autenticada em cartório não-abolicionista do interior do Tocantins (Estado citado aqui aleatoriamente), afirmando que o capataz fez isso em nome do dono da senzala para que o patrão possa ser devidamente julgado pelo crime.

Em suma, restringir o conceito àquilo que havia quando Isabel Cristina Leopoldina Augusta Micaela Gabriela Rafaela Gonzaga de Bragança e Bourbon usava maquiagem a base de sebo de carneiro e pó de cinzas por aqui.

Outras propostas buscam combater o trabalho infantil, vejam só, reduzindo a idade mínima para o trabalho no país, passando dos hoje 16 (para qualquer atividade não insalubre) e 14 (desde que seja como aprendiz) para 13, 12, 11 e até dez. Assim, o que era ilegal passa a ser joia – um empurrão em nosso desenvolvimento através da adição de população economicamente ativa barata e a inserção cidadã através do trabalho.

Como diziam entre 1939 e 1945 lá na Alemanha: Arbeit Macht Frei!

Ou seja, de um dia para outro, como em passe de mágica, trocamos o rótulo da garrafa e o que era veneno passa a ser produto de qualidade. Afinal de contas, se já faz sombra, senta na guia e consegue encostar o pé no chão e não faz gu-gu, nem da-dá, pode trabalhar normalmente. Pois, traduzindo: só o trabalho liberta.

O ideal seria se, ao invés das maquiagens, encarássemos de frente as marcas da desigualdade e da injustiça social. Pois, neste caso, as manchinhas não são inevitáveis como o envelhecimento ou marca de uma doença incurável. Mas um sintoma de que o organismo (no caso, a sociedade), anda doente. Beeeeeem doente.

Mas, aí, o pessoal que ganha com a venda de cosméticos vai fazer o que da vida?

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