De acordo com Comitê da Convenção da Mulher (CEDAW), a ONU recomendou ao Estado brasileiro agilidade na revisão da legislação que criminaliza o aborto, com vistas a eliminar disposições punitivas impostas às mulheres
Por Marcela Belchior, da Adital
O Brasil não tem tratado de maneira eficiente temas que envolvem mulheres e questões de gênero, como aborto e tráfico de meninas e adultas. Segundo o Comitê da Convenção da Mulher (CEDAW) da Organização das Nações Unidas (ONU), o governo brasileiro cumpriu apenas parcialmente as recomendações da ONU sobre os direitos das mulheres, não tomando providências suficientes para melhorar o atendimento integral à saúde feminina, além de fortalecer o debate em torno dessas questões.
De acordo com o Comitê, a ONU recomendou ao Estado brasileiro agilidade na revisão da legislação que criminaliza o aborto, com vistas a eliminar disposições punitivas impostas às mulheres. No entanto, até o momento, cerca de 30 Projetos de Lei tramitam no Congresso Nacional defendendo exatamente o contrário: ameaçam os direitos das mulheres de interromper a gravidez e propõem mecanismos de proibição total da prática, com base em aumento de punição. “O Comitê considera que a recomendação não foi implementada”, aponta o CEDAW.
A Organização havia recomendado ao país ainda a colaboração para a discussão e análise do impacto do Projeto de Lei que versa sobre o Estatuto do Nascituro, que restringe mais as motivações de aborto aceitas pela atual lei brasileira. O Comitê, porém, afirma que não recebeu informações suficientes para avaliar se a recomendação foi concretizada.
Com relação ao tráfico de mulheres, a ONU havia recomendado ao Estado que considerasse adotar uma lei abrangente contra essa prática de acordo com o Protocolo de Palermo, de 2000, que versa sobre prevenir, reprimir e sancionar o tráfico de pessoas, especialmente de mulheres e crianças. De acordo com o CEDAW, o Estado “deu alguns passos em direção à adoção de uma lei contra o tráfico de pessoas”, mas considera que a lei “não é abrangente o suficiente para enfrentar este problema”.
Repercussão entre entidades
Representantes de entidades que compõem o Consórcio Nacional de Redes e Organizações da Sociedade Civil, do qual o Comitê faz parte, também repercutiram o documento. Para Telia Negrão, jornalista e mestre em Ciência Política, as recomendações do Comitê colocam o país em uma situação desconfortável no cenário internacional.
“O Brasil se mantém entre aqueles que violam os direitos das mulheres e isso se reflete na queda do IDH [Índice de Desenvolvimento Humano] de Gênero. As mulheres brasileiras continuam morrendo pela má qualidade de atenção à saúde e por restrições às decisões no campo reprodutivo, ou seja, do direito de não ter filhos”, explica Telia, que é coordenadora da ONG Coletivo Feminino Plural.
A jornalista chama a atenção para a necessidade de rever a legislação sobre o aborto no país. “O aborto não é um tema só do foro íntimo da mulher, já que esse direito impacta sua vida na família e na comunidade. No momento em que a mulher sofre a violação dos seus direitos reprodutivos, sua cidadania não está completa. E a qualidade da cidadania é também um fator de avaliação de uma democracia. Nessa perspectiva, a democracia também é afetada”, esclarece Telia.
Na avaliação de Estela Scandola, representante da Rede Nacional Feminista de Saúde, Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos, no Comitê Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (Conatrap), o Brasil tem dado passos importantes no enfrentamento do tráfico de mulheres e meninas, mas isso não tem se concretizado em ações efetivas para prevenção e atendimento a esse público. Ela cita o exemplo do o Projeto de Lei nº 7370/2014, que tramita na Câmara Federal, sobre prevenção e repressão ao tráfico interno e internacional de pessoas e sobre medidas de atenção às vítimas tem problemas graves. Para Estela, a proposta não se ajusta ao que já estabelece a Lei do Trabalho Escravo no país.
Um dos pontos mais preocupantes, segundo a pesquisadora, é o fato de o projeto não prever a responsabilização ampla no que se refere às empresas que lucram com o tráfico de pessoas, reduzindo a atribuição de responsabilidade ao que se refere a “rede de tráfico”. “Esse avanço já está previsto na legislação do trabalho escravo”, indica Estela.
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