É tempo de organização e luta no Rio Madeira

assembleia madeira

MAB Amazônia – Após a cheia histórica do rio Madeira, milhares de famílias ficaram desabrigadas e grandes impactos se fundem ao rastro de destruição das duas mega hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau. Desde o início das cheias os atingidos têm se mobilizado e apresentado propostas pela garantia de seus direitos. Sem respostas concretas e resistindo ao remanejamento para um campo de concentração de barracas de lona, ocupam a Usina de Santo Antônio para cobrar governo e empresas.

Assembleia popular dos atingidos

Em Porto Velho, dia 17 de abril, no Mercado Cultural, de frente ao palácio do governo, foi organizada pelo Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) a Assembléia Popular dos Atingidos pelas barragens e enchentes no rio Madeira, com o lema: por terra, casa e trabalho, reunindo mais de 600 atingidos.

Além de militantes de diversas comunidades do alto ao baixo Madeira, como São Carlos do Jamari, Brasileira, Agrovila Nova Aliança, Cujubim, Cujubinzinho, Igarapé do Tucunaré (Floresta Nacional do Jacundá), Ilha do Monte Belo, Itacoã, Reserva Extrativista Lago do Cuniã, Curicacas, Pombal, Bom Será, Pau d’Arco, Nazaré, Jaci Paraná, Linha do IBAMA (Santa Inês), loteamento do Trilho, Parque dos Buritis, Morrinhos, Santa Rita, Abunã e Joana D’Arc, também participaram atingidos de bairros da cidade de Porto Velho, como Balsa e Baixa União.

Além do objetivo de avançar na organização dos atingidos e de suas pautas, a intenção do espaço foi apresentar para a sociedade denúncias das graves violações de direitos humanos a partir da cheia histórica do rio Madeira, mas também de todo o processo violento de implementação das usinas de Jirau e Santo Antonio no Madeira.

Para o MAB os reservatórios das hidrelétricas foram subdimensionados, assim como suas curvas de remanso, as barragens estão acumulando grande quantidade de sedimentos, o que leva as águas a alagarem uma área maior. Além disso, houve super acumulação de água para o aumento da taxa de lucro das empresas, colocando de forma consentida a sociedade em risco e desrespeitando as normas de operação. Diversos alertas sobre falhas nos projetos foram feitos previamente por especialistas como o pesquisador Phillip Fearnside do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) e o renomado consultor indiano, Sultan Alam, no entanto foram ignorados.

Enquanto milhares de famílias perderam tudo o que tinham, as usinas vêm faturando alto com a energia gerada, somente o banco BTG Pactual, em janeiro e fevereiro de 2014, teve um lucro de R$ 350 milhões, devido à especulação da energia produzida em Santo Antônio, que vem sendo vendida por R$ 822,00/1.000 kWh, dez vezes mais alto do que os preços definidos no leilão. Essa conta será transferida para o povo brasileiro com futuros aumentos nas tarifas de luz.

Integrantes de outros movimentos sociais da Via Campesina também participaram como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e do Movimento de Pequenos Agricultores (MPA) em solidariedade a luta por garantia de novas terras, moradias e tratamento digno aos desabrigados.

A reitora da Universidade Federal de Rondônia (UNIR), Berenice Tourinho colocou o apoio e compromisso de sua instituição à luta dos atingidos por barragens e afirmou que se empenharão junto ao Ministério Público na reelaboração dos Estudos de Impacto Ambiental, e que será feito conforme a determinação da Justiça Federal, com a indicação dos peritos pelo Ministério Público e não diretamente pelas empresas.

Os atingidos pela hidrelétrica de Samuel, no rio Jamari, afluente do rio Madeira, contaram como permanecem sem a garantia de seus direitos após 30 anos. As famílias do Madeira e de Samuel estão unidas em uma mesma luta pela terra e dignidade arrancadas na tomada de seus territórios.

Carta do Madeira

Ao final da assembléia as deliberações foram aprovadas em um documento que foi chamado de Carta do Madeira, onde foi colocada a pauta geral dos atingidos e um chamado para a sociedade brasileira participar das ações em defesa das famílias atingidas e do meio ambiente. A carta está aberta para a adesão de outras organizações.

Leia a íntegra da carta

No dia 18 do mês passado, as famílias também se mobilizaram em uma marcha que passou no mesmo local, em frente ao palácio, para reivindicar medidas pós-cheia, como reconstrução das comunidades atingidas, reassentamento em local seguro e apoio as atividades produtivas. Também foi realizado um escracho em frente ao escritório da Santo Antônio Energia (SAE) em repúdio a imposição da Defesa Civil em colocar os atingidos em barracas de lona insalubres instalados no parque de exposições de Porto Velho.

A maior parte das famílias que estavam em abrigos foram e continuam sendo levadas para as barracas, mesmo apresentando resistência. Antes que o chamado “Abrigo Único” tivesse sido instalado, alternativas como hospedagem em hotéis, auxílio aluguel em valor compatível e abrigo em edifícios públicos desativados foram apresentadas, mas não foram consideradas. Não somente os governos municipal e estadual, junto a Defesa Civil foram advertidos, mas também os ministros da Integração Nacional, Francisco Teixeira e da Secretaria Geral da Presidência da Republica, Gilberto Carvalho, após reunião realizada dia 5 de março no Itamaraty.

Ocupação de hidrelétrica cobra de consórcio audiência pública

Após a assembléia, cerca de 1000 atingidos ocuparam o canteiro de obras da usina hidrelétrica de Santo Antônio e cobraram uma reunião com a diretoria do consórcio em um prazo de até 10 dias, conforme acordado com o coordenador de sustentabilidade, Alexandre Queiroz. Para o MAB a negociação deve ser intermediada pelo IBAMA e Secretaria Geral da Presidência da República.

A superintendência do IBAMA em Rondônia foi ocupada pelo atingidos em 28 de fevereiro, e foi encaminhado em reunião, a partir do apontamento de diversos problemas, como o impacto na pesca e a precariedade dos reassentamentos, que o órgão se encarregaria de articular uma agenda com os representantes dos consórcios o mais breve possível. Até então não há respostas

Ainda no ano anterior, em 6 de dezembro de 2013, o Movimento dos Atingidos por Barragens se reuniu em Brasília para tratar a pauta dos atingidos com a Secretaria Geral da Presidência da República, o Ministério de Minas Energia e os consórcios de Santo Antônio e Jirau. Entre diversas questões, na ocasião foram apresentadas imagens de um marco altimétrico, fixado entre casas de famílias em Jaci Paraná, indicando a cota 74,7 metros, área que faz parte do perímetro de alagado*.

A denúncia apresentada em Brasília ao governo e ao diretor de Santo Antônio Energia (SAE), revela que o movimento já apresentava grandes preocupações com os efeitos dos reservatórios das usinas no Madeira, pois nas obras de barragem, os reservatórios não se apresentam completamente no início da construção, mas vão se mostrando com o tempo, conforme suas etapas de enchimento, com a acomodação dos sedimentos e conforme a operação das hidrelétricas.

Muitas famílias foram deslocadas no início das obras e com o tempo mais atingidos foram sendo afetados e expulsos pelos lagos das barragens e seus efeitos crescentes, como é o caso do Projeto de Assentamento Joana d’Arc. O licenciamento das usinas sequer apontou corretamente o número de famílias remanejadas, que vem aumentando junto a elevação do lençol freático e a conseqüente contaminação das fontes de água para consumo.

Em Brasília, também foi agendada com o governo e as empresas, para janeiro desse ano uma reunião de continuidade das negociações em Porto Velho, devido a urgência para tratar essas pendências e evitar que se tronassem mais complexas na próxima cheia do rio, independente de ser uma cheia histórica ou não. Sem respostas, em fevereiro, a BR 364 foi bloqueada em Jaci Paraná, e três manifestantes foram presos em meio a uma dura repressão da Polícia Militar que atirou balas de borracha contra os moradores.

Mesmo com a criminalização do movimento, a luta dos atingidos é legitima será permanente. Não será intimidada pelo uso de aparatos militares, como ocorreu na ocupação de Santo Antônio, onde a polícia ameaçou retirar novamente os manifestantes com o uso da força, mesmo com o desenvolvimento pacífico e organizado da ação. Ao invés de ceder a força policial à grandes empresas transnacionais e deixar que as próprias famílias atingidas as enfrentem sozinhos, sob risco de violência, exigimos que o governo convoque as empresas para pagar a dívida social com as populações afetadas.

* Conforme a resolução nº 167, de 14 de maio de 2012, a Agência Nacional de Água – ANA decide que a operação a fio d’água do reservatório respeite o NA máximo em Jaci – Paraná de 75 m para vazões até 52.775 m³/s correspondente à cheia TR 50 anos no rio Madeira.

Enviada para Combate Racismo Ambiental por João Marcos Rodrigues Dutra.

Deixe um comentário

O comentário deve ter seu nome e sobrenome. O e-mail é necessário, mas não será publicado.