Comissão Pró-Índio identifica 49 ações judiciais contra quilombolas no país

QuadroQuilombolasTerritório de São Domingos e Linharinho, no norte do Estado, são exemplos de casos que se arrastam na Justiça por recursos protelatórios da Aracruz Celulose e fazendeiros

Por Any Cometti, em Século Diário

Levantamento da Comissão Pró-Índio, entidade que também luta em favor dos direitos dos quilombolas, identificou 49 ações possessórias contrárias aos quilombolas, que envolvem 26 territórios em todo o Brasil. Uma delas a comunidade de São Domingos, no município de São Mateus (norte do Estado).
Para se defender das investidas de empresas e grandes proprietários de terras, já são 98 as ações propostas em defesa dos quilombolas atualmente em curso, envolvendo 70 comunidades localizadas em 14 diferentes estados. Novamente está incluso São Domingos. O processo foi ajuizada no ano passado pelo Ministério Público Federal (MPF), denunciando a demora na regularização das terras. A comissão não detalha as partes desse processo.
A participação do MPF, inclusive, foi destacada na defesa judicial dos direitos quilombolas, já que o órgão é autor de 47 ações em tramitação, o que representa 24% do total. A comissão também detalhou que a atuação do governo federal no mesmo sentido também tem se revelado significativa, com 29 ações propostas pelo Instituto de Colonização e Reforma Agrária (Incra), pela Fundação Cultural Palmares ou pela própria União Federal. Duas delas foram propostas em conjunto com MPF. Também há 17 ações propostas pelos próprios quilombolas, das quais nove são individuais e oito de associações comunitárias. Destas, uma é em conjunto com órgãos do governo federal.

No ano passado, entre as sete ações civis públicas ajuizadas pelo MPF com o objetivo de agilizar o processo de regularização de territórios quilombolas no país, duas delas eram referentes a territórios do Espírito Santo. Além do caso de São Domingos, a outra se refere à grilagem de terras públicas.
Para o MPF, o caso de São Domingos é um dos exemplos mais claros de descaso. Os promotores constataram uma série de medidas tomadas pelos órgãos competentes para praticamente paralisar o processo de reconhecimento das terras, com rotinas administrativas excessivas e tramitações em prazos dilatados, se comparados a anos anteriores. A área é explorada pela Aracruz Celulose (Fibria) desde a ditadura militar. Também ocupam a área fazendeiros reunidos no Movimento Paz no Campo (MPC).
O processo de titulação da comunidade de São Domingos está na sede do Incra desde abril de 2011, sendo que pronto para julgamento desde janeiro de 2012. Esta é a última fase pela qual o processo passa antes da publicação da portaria que devolve as terras ao seus verdadeiros donos, no antigo território de Sapê do Norte, formado pelos municípios de São Mateus e Conceição da Barra.
Ainda segundo o levantamento, atualmente, existem 44 áreas decretadas para desapropriação, das quais apenas três foram desapropriadas, total ou parcialmente. Nenhuma delas no Espírito Santo, que possui três desses decretos de desapropriação para o Território Quilombola Retiro, em Santa Leopoldina; Território Quilombola Serraria e São Cristóvão, de São Mateus; e da comunidade remanescente do quilombo São Pedro, localizada em Ibiraçu.
Entre o processo de desapropriação e o reconhecimento do território quilombola, ainda há a Lei n.° 4.132 de 1962, que determina que os decretos sejam feitos em dois anos. Para a Comissão Pró-Índio, o maior problema na demora acontece quando os decretos “caducam”, ou seja, quando não podem ser mais utilizados para terminar o processo desapropriatório.
Apesar de ser uma importante etapa do processo de reconhecimento das terras quilombolas, o decreto de desapropriação não põe fim ao processo de expedição do título de propriedade para as associações quilombolas, como detalha o levantamento. A comissão aponta que, para a real efetivação das desapropriações, o governo deve ajuizar ações no Judiciário ou acordar o valor da indenização com os proprietários da terra declarada como quilombola.
O caso de São Domingos não é o único que enfrenta demora em seu andamentos para atender interesses da Aracruz e de fazendeiros. O mesmo ocorre com a comunidade de Linharinho, em Conceição da Barra, que tem 85% dos seus 9,5 mil hectares ocupados pela empresa. A portaria de reconhecimento do território foi publicada em 2007, mas foi questionada pela Aracruz, que obteve vitória na Justiça, gerando a anulação. Em outubro do ano passado, foi aberto um novo processo, que pode levar de dois a três anos para ser concluído.
No Estado, explora o território quilombola principalmente a Aracruz Celulose, mas também empresas de álcool e cana-de-açúcar e grandes fazendeiros. O MPF quer a declaração de nulidade dos títulos de domínio de terras devolutas dados pelo Estado à Aracruz Celulose e a legitimação das terras em favor dos quilombolas, conforme o previsto em lei. A instituição afirma que o processo se deu de forma fraudulenta, como constatou a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Aracruz, criada em 2002 pela Assembleia Legislativa.
Na ação, o MPF ressaltou determinação do artigo 68 dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias, da Constituição Federal: “aos remanescentes das comunidades de quilombos é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os respectivos títulos”. Na prática, pontuou o Ministério Público, essa demora se reflete no dia a dia das comunidades, que enfrentam dificuldade de subsistência e de acesso a serviços públicos, são vítimas de violência e sofrem preconceito.

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