
Eu tenho vergonha. Tenho profunda vergonha. E você, tem profunda vergonha?
Em meio a esse extermínio, de 514 anos. Você dorme com a consciência tranquila, em relação a esse massacre?
Eu tenho vergonha e o convido, nos próximos 4 anos, nos próximos 14 anos, a não ser cúmplice. Hoje é Dia do Índio.
Todo dia é dia de não sermos cínicos. A não ser que aceitemos – esse escárnio, essa violência, essa aceitação do torpor.
Você. Branco. Negro. Amarelo. Você, do lado dominante do território (ainda que nem tanto), aceita essa política de anulação geral e irrestrita de uma cultura? Uma… De centenas de culturas?
Nós, que embrutecemos tanto, nós espoliamos. Nós agredimos, nós matamos – nós ignoramos.
E agora eles só têm o dia 19 de abril. Eles só têm o nosso escárnio, eles só têm a nossa indiferença.
E eles continuam sendo dizimados, atropelados (literalmente), assassinados, vilipendiados.
E mesmo assim eles representam aquilo que gostaríamos de ter sido. Uma humanidade menos refém. De seus venenos, de suas enganações.
Não, eu não acho que, essencialmente, cada indígena seja superior a qualquer branco distraído. Eu acho que, na essência, os povos indígenas (como conjunto da obra, como humanidade) enxergaram mais longe.
Dialogaram mais com o conjunto. Com o planeta. De uma forma mais distante deste nosso suicídio coletivo.
Hoje é dia 19 de abril. E eu tenho vergonha. Os Castilhos e Machados exterminaram vocês, nações indígenas. Nós, filhos dos Carvalho e filhos dos espoliados, resistimos. Ou pelo menos tentamos – esboçamos.
Minha face que não seja cínica está a favor dos Tenharim, dos Tupinambá de Olivença, dos Terena, dos Kaiabi, dos Guarani-Kaiowá, dos Tenetehara. Ela se ruboriza por mais de 200 nações indígenas – atacadas e escanteadas e plenas.
E mal consegue balbuciar seus mais de 180 idiomas. Eu, nós, os entorpecidos.
Hoje é o Dia do Índio. Você encostou bem hoje a cabeça no travesseiro?