A jornalista e escritora Nana Queiroz (28) é a responsável pela campanha “Eu não mereço ser estuprada”, que inundou as redes sociais nesta sexta, como uma resposta aos resultados de um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Ele revelou que 65,1% da população concorda total ou parcialmente que “mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas” e 58,5% concordam total ou parcialmente que “se as mulheres soubessem como se comportar, haveria menos estupros”.
A campanha pediu que mulheres fotografassem a si mesmas, da cintura para cima, nuas ou não, reafirmando – com cartazes ou escrito em seu próprio corpo – que não merecem serem estupradas e circulassem as imagens pelas redes sociais com hashtags como #EuNãoMereçoSerEstuprada.
Pedi para Nana um texto sobre os resultados até agora. Se por um lado, há um engajamento crescente e uma vontade de muita gente de não mais aguentar em silêncio, de outro a constatação de que quando se tenta mudar essa realidade, o contra-ataque machista – vindo de homens e mulheres – é aterrador.
Verdadeiras e falsas coragens, por Nana Queiroz
Acordei de uma noite mal dormida e perturbada. Adormeci ao som das notificações de meu Facebook e acordei com elas. Desde que começou o protesto online “Eu Não Mereço Ser Estuprada”, nesta sexta, às 20h, recebi incontáveis ofensas. Homens me escreveram dizendo que me estuprariam se me encontrassem na rua, outros, que eu “preciso mesmo é de um negão de 50 cm” ou “uma bela louça para lavar”. Se ainda duvidava um pouco da verdade por trás da pesquisa do Ipea, segundo a qual 65% dos brasileiros acreditam que mulheres que mostram o corpo merecem ser atacadas, hoje acredito nela totalmente. Senti na pele a fúria revelada pela pesquisa.
Em algum momento hoje, depois que conseguir descansar um pouco, vou à Delegacia da Mulher denunciar as ameaças. Pior: vou delatar um sujeito, Cirilo Pinto, que não só confessou publicamente já ter cometido um estupro, mas afirmou que o faria novamente. Está aí o print screen da página dele, para quem duvidar. Espero que ele seja, ao menos, detido por incitar o estupro.
Centenas de perfis falsos foram criados e nosso evento bombardeado com frases machistas, pesquisas preconceituosas e montagens com fotos do deputado federal Jair Bolsonaro (PP-RJ) com dizeres ofensivos. Uma imagem dele ilustrou até um evento criado para promover um estupro coletivo. Caro deputado, pense: o senhor se tornou o ídolo de pessoas que defendem o estupro. Não será a hora de pôr a mão na consciência ou no coração?
Por outro lado, estou emocionada com o tamanho que a manifestação ganhou, não só pelo número de adesões, mas pela qualidade das postagens. Um resultado inesperado me comoveu ainda mais: Dezenas e dezenas de homens e mulheres contaram publicamente, muitos pela primeira vez, seus casos de estupro. Quanta coragem!
Alguns me escreveram privadamente para desabafar. Outros publicaram para milhares. Daiara Figueroa, creio eu, fez um dos relatos mais tocantes, contando como superou o trauma do abuso. Em sua foto, vestiu com orgulho um cocar, em homenagem a seu povo indígena.
Quero falar aqui, principalmente, a essas pessoas: vamos exorcizar isso juntos. Vocês nos inspiram, nos movem e comovem. Que o mundo tenha mais pessoas com a coragem legítima de Daiara e menos com a falsa coragem de Cirilo.
Rafa,
estava olhando a nova página, agora com comentários liberados após examinados e aberta exatamente para que depoimentos como o teu possam ser recebidos com respeito. E sinceramente, embora eu tenha ido lá com a intenção de fazer o que você me pediu, acho que é importante seja você a fazê-lo.
Caso não tenha ainda, o endereço novo é https://www.facebook.com/groups/eunaomerecoserestuprada/?ref=ts&fref=ts.
Força e carinho para você.
Tania.
O nome completo neste caso foi omitido por decisão deste blog, que entendeu e respeitou o desejo de Rafa.
Bom dia, me chamo Rafa e tenho 20 anos, gostaria de dar meu relato e minhas condolências a Nana, e reforçar que vou aderir a causa e tentar trazer o máximo possível de homens e mulheres a contribuir com o manifesto. O que vou contar ainda me dói e perturba cada noite, já se passaram 15 anos e é uma lembrança muito viva. Eu tinha 4 anos quando começou, minhas primas de 15 e 16 anos abusavam de mim e de uma coleguinha da escola, com as mãos e algumas vezes com objetos, chegavam a usar até frutas e verduras que achavam que poderia servir, não podíamos chorar, nem gritar, menos ainda contar pra alguém, elas ameaçavam ser pior da próxima vez se a gente contasse. Agora eu me pergunto, será que eu com 4 anos merecia ser estuprada por duas adolescentes? Foram 2 anos assim, dois anos que até hoje machucam. Esse trauma eu temo levar comigo a vida toda, pois eu queria mais que tudo que pudesse apagar da memoria cada dia desses dois anos.
Agradeço a Nana pela coragem de se expor assim, coragem que nunca tive nem diante de meus pais que mesmo depois de todos esses anos ainda não sabem o que aconteceu. Estou a alguns dias tentando entender de que adiantaria dar meu depoimento, e hoje depois de horas percebi que as pessoas que concordam com esse absurdo, são pessoas que nunca passaram por ele, e eu deixo no ar a pergunta: Porque uma criança merece ser estuprada? Com todos esses argumentos ridículos sobre roupa, gostaria que colocasse esta minha questão em pauta. Qual foi o meu erro a 15 anos atras e o de tantas crianças hoje, pra serem violentadas de tal forma?
Gostaria que mantivesse meu nome em sigilo, pois como relatei meus pais não tem ideia de que isso ocorreu, mas gostaria que enviasse a Nana meu depoimento se ela achar que seja útil. E hoje mesmo vou postar a foto na minha rede social. Se puder pedir a ela que entre em contato comigo eu ficaria feliz. Obrigada pelo tempo. E parabéns pela repercussão.