Por Altino Machado, Blog da Amazônia
Fustigado por desabastecimento no Acre, o governo estadual vai usar aviões da Força Aérea Brasileira (FAB) para transportar parte dos 2,5 mil imigrantes haitianos e senegaleses retidos no município de Brasiléia (AC), na fronteira com a Bolívia. Nesta terça (25), a ONG Conectas denunciou a situação dos haitianos ao Conselho de Direitos Humanos da ONU, pois o galpão projetado para 300 pessoas, que é chamado de abrigo público, atende a mais de 2,3 mil.
Por causa da cheia do Rio Madeira, que não para de subir, o Estado está isolado do restante do País, por via terrestre, pois alguns trechos da BR-364, que liga o Acre a Rondônia, estão inundados e foram interditados por questões de segurança.
A população do Acre enfrenta desabastecimento de alimentos e combustíveis. Falta até ovos, por exemplo. Os preços nos supermercados estão em alta e a venda de vários alimentos é racionada a cinco quilos por pessoa. Há três dias, nos postos de combustíveis, filas quilométricas de carros se formaram.
O governador Tião Viana (PT) anunciou na quinta-feira que o Estado foi autorizado pelo governo federal a comprar 2 milhões de litros de combustíveis no Peru. Aviões comerciais e da FAB estão sendo usados para para transportar alimentos, remédios e produtos hortifrutigranjeiros.
Em Brasiléia, a 235 quilômetros de Rio Branco, a empresa contratada pelo governo estadual para alimentar os imigrantes haitianos e senegaleses que entram no Brasil em busca de trabalho, não está conseguindo receber arroz, feijão e óleo. Fardos desses produtos estão retidos em Porto Velho por causa do fechamento da BR-364.
O representante da Secretaria do Estado de Justiça e Direitos Humanos (Sejudh), Damião Borges, que administra o abrigo de Brasiléia, informou que os imigrantes estão todos documentados para seguir viagem rumo à outras regiões do País, mas estão retidos por falta de tráfego na rodovia federal. Existem 300 mulheres entre os imigrantes.
– Nem todos estão no nosso abrigo. Alguns haitianos estão hospedados em casas ou hotéis baratos de R$ 15 a diária. Cerca de 580 senegaleses preferiram se hospedar em outro local custeados por eles. Com a cheia do Madeira, a situação aqui ficou mais crítica – disse Borges.
Segundo o representante do governo estadual, os imigrantes consome diariamente 200 Kg de feijão, 480 Kg de arroz e quase 200 Kg de carne. O comércio de Brasiléia não dispõe de produtos nessa quantidade. As mercearias e supermercados da cidade também estão racionando a venda.
A operação do governo do Acre com auxílio de aviões da FAB consiste em retirar 800 imigrantes. Eles serão levados de ônibus até o aeroporto de Rio Branco, e de lá serão transportados pela FAB até Porto Velho.
– Vamos levar apenas os imigrantes que já possuem parentes no Brasil e que poderão recebê-los. De Porto Velho, os que têm parentes seguirão para São Paulo, Paraná, Minas Gerais, Santa Catarina e outras regiões brasileiras. Estou pedindo a Deus para que os aviões comecem a transportá-los a partir de hoje ou, no máximo, a partir de amanhã – acrescentou Borges.
Na noite de quarta-feira (26), um grupo de imigrantes alojado teria protestado contra a comida servida, jogando no lixo as marmitas com carne bovina, arroz e batata. A imprensa local chegou a destacar o caso, mas o representante da Sejudh tratou de minimizar o fato.
Borges disse que é comum os imigrantes reclamarem e desperdiçarem a comida servida duas vezes ao dia. Alguém viu, fotografou marmitas no lixo, enviou as imagens para a imprensa e virou um escândalo.
– Virou um escândalo porque foi publicado sem ouvir nossa explicação. Quem jogou comida fora certamente é porque tem dinheiro para comer fora do abrigo e nós temos tentado conscientizar os imigrantes que a atitude depõe contra todos. A empresa serve arroz e carne, mas alguns não querem, pois preferem frango. Em Brasiléia, para obtermos frango temos que encomendar ao menos com oito dias de antecedência.
Denúncia à ONU
Nesta terça (25), a ONG Conectas denunciou a situação dos haitianos no Acre ao Conselho de Direitos Humanos da ONU. A entidade já havia apelado para Corte de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), além de já ter recorrido seguidas vezes a outras instâncias e feito reuniões com autoridades em nível nacional.
Segundo a Conectas, a denúncia acontece no mês em que o abrigo construído pelo governo em Brasileia atingiu seu pico máximo de ocupação, coincidindo com um período de chuvas e inundações que deixaram o local ilhado.
– A cidade se converteu em principal ponto de chegada para os haitianos que vêm ao Brasil sem visto. O galpão, construído para abrigar 300 pessoas, atende hoje a 2,3 mil. Segundo o governo local, aproximadamente 400 imigrantes usam as instalações e comem no abrigo, mas conseguem alugar quartos na cidade – afirma a Conecta em nota.
A ONG assinalou que denuncia há mais de 8 meses a falta de esforços, em todas as esferas, para resolver a crise em Brasiléia. Em setembro de 2013, pouco depois de constatarem as condições insalubres do abrigo, representantes da entidade se reuniram com autoridades dos ministérios da Justiça, Trabalho e das Relações Exteriores em Brasília para exigir soluções urgentes para a crise. À época, o governo se comprometeu a realizar uma força tarefa para melhorar as condições de acolhida do galpão, mas nada foi feito até agora.
– A Conectas escuta há 8 meses do governo federal que medidas estão sendo elaboradas para ampliar o abrigo e melhorar as condições ali. É preciso menos promessas e mais vontade política – disse Camila Asano, coordenadora de Política Externa da Conectas.
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Enviada para Combate Racismo Ambiental por Ana Patrícia Ferreira.