Lúcia Müzell, RFI Brasil
Uma centena de pessoas, a maioria franceses, pediu mais proteção dos povos indígenas e protestou, em Paris, contra a construção da usina de Belo Monte e outras no Brasil. A manifestação, realizada na sexta-feira (14) no bairro de negócios de La Défense, teve como alvo as gigantes da energia EDF e GDF Suez e a companhia de transportes Alstom, que participam do projeto, realizado na Amazônia.
O protesto era comandado pela organização Survival International, uma das mais importantes defensoras dos índios no mundo. “A nossa maior preocupação são os índios isolados que vivem próximo das usinas e que estão extremamente ameaçados por essa invasão de operários para a construção dessas usinas. A destruição das florestas é um dos grandes problemas, mas o que é mais grave é que os estes índios que decidiram viver isolados não têm qualquer imunidade contra as doenças que os estranhos que afloram na região podem transmitir”, afirmou o diretor da entidade na França, o etnógrafo Jean-Patrick Razon. “Nós consideramos que a existência de um povo, por menor que seja, é tão importante quanto todo o resto da população brasileira.”
À frente da manifestação estava Sonia Guajajara, a coordenadora-executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib). Vestida a caráter e portando o mega-fone, ela conclamou os europeus a pressionarem o Brasil a prestar mais atenção na destruição das tribos no país.
“Sempre que possível, tentamos trazer a e comunidade internacional para nos ajudar nessa luta, afinal é uma luta muito desigual e injusta, porque temos os três poderes, o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, aliados ao poder econômico contra os direitos da população indígena”, destacou.
Sonia ressaltou que os índios não são contrários ao desenvolvimento do Brasil nem à construção de usinas, mas ela considera que é preciso respeitar o pouco espaço que restou para os índios no território nacional. “A gente quer que o país adote outro modelo de geração de energia. Um modelo que impacte menos tanto no meio ambiente e na biodiversidade, quanto nos povos indígenas. O modelo com hidrelétricas nos rios trazem um impacto irreversível.”
A cantora Mônica Nogueira mora há 25 anos na França, e não perde uma manifestação para pedir mais proteção dos ancestrais indígenas. “São as nossas origens. O nosso começo, o nosso patrimônio. Somos nós”, lembrou. “Eu concordo que o Brasil precise evoluir, mas se evolução vai custar tão caro ao nosso patrimônio, é preciso haver uma melhor negociação.”
Usinas são necessárias, afirma especialista
Enquanto isso, em São Paulo, o professor emérito da USP José Goldemberg, físico membro da Academia Brasileira de Ciências e ex-ministro do Meio Ambiente, observa que a construção de usinas como Belo Monte ou a de Jirau e Santo Antônio, em Rondônia, era fundamental para assegurar o abastecimento no país.
“São poucos os países que têm condições tão favoráveis de utilizar a energia hidrelétrica, que é renovável e claramente a mais competitiva do ponto de vista econômico. Acontece que o potencial energético remanescente do Brasil está situado na Amazônia, onde não é fácil localizar os rios onde podem ser feitas usinas”, explica. “Qualquer grande obra vai afetar o meio ambiente, e a construção de usinas na Amazônia é importante para o resto da população brasileira.”
Goldemberg ressalta que as medidas de compensação para as populações indígenas no entorno de Belo Monte não foram adequadas. Ele lembra que essa prática marcou a construção da maioria das usinas brasileiras.
“A tradição do governo brasileiro, e sobretudo do regime militar, era não se preocupar com as consequências ambientais, e é isso que criou o problema. O Brasil está em uma situação muito ruim, com risco de racionamento, porque as usinas hidrelétricas que foram construídas foram feitas com reservatórios muito pequenos”, sublinha. “Em outras, como Itaipu, cuidou-se dos impactos ambientais. É uma excelente usina, que afetou poucas pessoas e beneficia a região onde está instalada.”
Nessa semana passada, o governo anunciou o aumento dos impostos e tarifas de energia para evitar o racionamento. Também o Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE) passou de “baixíssima” para “baixa” a probabilidade de ocorrerem problemas no fornecimento de energia em 2014, devido à seca.