“Nós povos indígenas do Brasil não estamos no passado, não desaparecemos do mapa, estamos muito vivos e atuantes”
Luciana Gaffrée, em Regional Latinoamericana de la UITA
Em entrevista com o jovem cacique Jurandir Siridiwe Xavante, entendemos um pouco mais o que é ser Xavante, como se escolhe o cacique, a problemática da desinformação na grande mídia, como pensam os povos indígenas com relação à terra, ao agronegócio e à omissão do governo diante da brutalidade histórica contra os povos nativos indígenas do Brasil.
-Primeiramente tenho que explicar que cada povo se autodenomina “O Povo”, portanto esse é O Povo Xavante, que está a leste de Mato Grosso, divisa com Goiás. Possui 8 territórios, 270 aldeias e uma população de quase 17 mil pessoas. Somos o quinto maior povo indígena do Brasil. O meu território se chama Terra Indígena Pimentel Barboza, tem 12 aldeias e eu sou cacique da Aldeia Etenhiritipá.
A comunidade é quem enxerga o perfil do seu cacique, e como eu estudei tanto na aldeia como na cidade, fiz faculdade, a minha aldeia pediu, quando eu voltei para lá, que eu a liderasse, e fizesse alianças com as outras 11 aldeias, buscando uma união para que acordemos o Brasil com relação aos nossos territórios, nossos rios e seus limites.
Além de ser cacique da minha aldeia, eu sempre visito as outras 11 aldeias, que são meus colegas, meus primos, minha família. Eu faço a articulação com a prefeitura, com os vereadores, deputados, empresários e a minha aldeia acompanha os meus resultados.
O papel do cacique no diálogo com a sociedade
-Primeiramente, é preciso combater o preconceito e a ignorância que existem nas cidades com relação aos povos indígenas.
A maior parte da população brasileira que é educada nas escolas, nas salas de aula, usa livros que falam dos índios no passado. “Os índios faziam”, “os índios usavam”, esse pretérito passado, que também aparece na mídia e nas conversas, está dizendo que o índio não existe mais. Quando não é assim.
O cacique então mostra para as pessoas que as escolas ensinaram tudo errado. Como não há essa política no MEC, nós vamos no boca a boca transformando, educando, com o desafio de conscientizar a sociedade brasileira.
E, para isso, fazemos uma articulação com prefeituras, educadores, políticos, etc. Porque de fato, o preconceito e a discriminação com os índios brasileiros vêm também de uma ignorância que começa lá atrás, nos livros entregues nas escolas.
Os povos indígenas estão aqui
-Os índios estão aqui, o povo Xavante é apenas um dos povos habitantes do Brasil, que são vários, com suas 180 línguas, 230 povos, esparramados pelo Brasil inteiro e, destes povos, quase 50 ainda não conhecem Brasília e nem sabem o que é o Brasil, porque ainda estão sem contato nenhum, e isso é muito importante ser dito na Câmara e em todos os espaços públicos.
E é o que eu faço, o que inclui mesas redondas nas calçadas, em eventos e atividades, para sociabilizar essas informações, visando a transformar e reeducar a sociedade brasileira.
O nosso desafio é conscientizar de que não estamos no passado, não desaparecemos do mapa, que estamos muito vivos e atuantes, e que temos nossos idiomas, culturas e terras.
A mídia desinforma
-Quando a mídia destorce as notícias, nós temos que explicar porque existem tantos conflitos pela terra, e é fundamental que possamos passar as nossas informações para a população brasileira, evitando esse bate-boca, onde os ruralistas acabam gritando mais forte. É importante que nós, povos indígenas, possamos ter voz e sermos escutados.
A mídia, na sua maior parte, é contra a gente, inclusive no caso da Serra Raposa Terra do Sol, que finalmente foi uma conquista após 40 anos de luta, de reivindicação, e finalmente ganhamos essa batalha.
O problema é que há muitos outros casos que estão paralisados, metidos numa pilha gigante de terras para serem demarcadas e devolvidas aos povos indígenas.
Para a grande mídia os latifundiários sempre têm razão e sempre dizem a verdade, o que não é assim.
O governo e o agronegócio
-Para a atual política de governo, o agronegócio justifica tudo, e para isso é preciso plantar soja, milho, cana, criar gado, com a justificativa de que são para a alimentação do povo.
Só que ninguém do governo diz para o cidadão brasileiro que o que eles plantam é para exportar, eles não estão alimentando coisíssima nenhuma o povo brasileiro, porque quem alimenta o povo brasileiro são os pequenos produtores, que abastecem os supermercados.
Já os latifundiários estão matando o cerrado, destruindo o meio ambiente para alimentar os países desenvolvidos e não para levarem comida para o povo brasileiro.
Os ruralistas trazem é a devastação. Eles estão estragando os territórios, estão estragando a terra.
Depois não adianta reclamar de por que não está chovendo, ou de por que está chovendo demais, ou por que se está alterando a temperatura.
No momento em que a natureza sumir e só tivermos desertos, como vai ser? Só esperamos que o governo faça alguma coisa antes que a floresta desapareça.
A terra e o meio ambiente para os povos Xavantes
-É com muita dor que os povos Xavantes veem a destruição das florestas, entre elas o cerrado e toda a sua biodiversidade.
Os produtores do agronegócio desconhecem a riqueza da biodiversidade quando destroem as terras. E não são só os Xavantes que valorizam o bioma do cerrado, por exemplo, porque há vários outros povos que lá habitam e que também não estão de acordo com a destruição das florestas e que consideram a biodiversidade um valor que não pode ser desconsiderado para simplesmente gerar divisas ao governo.
Sem falar nas terras ancestrais, que trazem consigo as histórias de cada povo. São vários povos que ocupam as terras brasileiras, cada um com suas tradições ancestrais e suas formas únicas de ver e de entender a sua terra.
Mas, a bandeira que está gritando e unindo todos esses povos é a guerreira, porque não queremos mais ser calados, queremos dizer o que pensamos na hora, e vamos brigar pelo que é nosso e mostrar para todo mundo que a nossa ótica sobre a terra é diferente do pessoal do agronegócio, que não se preocupa com o bioma, nem pensa em fauna e flora.
Cada povo indígena conhece muito bem a sua terra, onde estão as suas plantas, onde estão as suas riquezas, e a sociedade ocidental não entende e está muito distante do amor pela terra que nós praticamos.
Os povos indígenas possuem uma relação com a terra muito profunda que o estado brasileiro desconhece e, principalmente, não lhes interessa ver que nós também temos uma história ancestral com essas terras.
Nós somos nativos, não viemos em embarcações, e isto deve ser valorizado, conscientizado. O Estado tem que entender isto.
A brutalidade histórica
-Uma das brutalidades para nós está no governo não fazer o seu papel de respeitar a Constituição de 1988, sendo omisso com relação aos nossos direitos, pois já faz 25 anos que não temos as nossas terras demarcadas.
E quando os ruralistas nos atacam e nos matam, o governo fica do lado deles, do lado do poder econômico. E cadê os direitos humanos? Cadê a voz da presidenta? O governo não está do nosso lado.