Vereador pede cabeça de assessora de imprensa por dizer que Deus não existe, por Leonardo Sakamoto

Leonardo Sakamoto

Já pensou pedirem a sua cabeça no emprego por afirmar que Deus não existe?

Não, isso não aconteceu em um tribunal da Santa Inquisição séculos atrás, mas na tribuna da Câmara dos Vereadores de Antônio Prado (RS), município localizado a 180 quilômetros da capital Porto Alegre.

O vereador Alex Dotti solicitou a exoneração da assessora de imprensa da Câmara, Renata Ghiggi, por ela não acreditar em Deus e divulgar isso aos “quatro ventos”. O que, como sabemos, é uma heresia.

“Eu peço a exoneração da Assessora de Imprensa e a troca urgente, por que a Câmara de Vereadores e a cidade de Antônio Prado é uma cidade de fé. É isso que eu penso e eu acredito que quem não acredita em Deus, pode não acreditar, mas não deve divulgar, representando uma entidade como a Câmara de Vereadores”, afirmou Alex, na sessão de 4 de fevereiro deste ano.

“Eu sou ateia e nunca escondi isso de ninguém.” Renata nega que utilize o cargo para defender suas posições pessoais. “Não uso a minha função para isso. Mas tenho o cuidado de não privilegiar nenhuma religião em detrimento de outras. Brigo pela laicidade do Estado.” No ano passado, ela se envolveu em uma discussão sobre a presença de um crucifixo no plenário, que foi retirado e recolocado logo depois.

Em seu discurso na tribuna da Câmara, o vereador Alex Dotti afirmou que “chamou a atenção a falta de fé da nossa Assessora de Imprensa, que faz questão de colocar nas redes sociais e falar aos quatros ventos, que Deus não existe”.

Considera que “não pega bem”, em uma cidade em que a maioria tem uma religião e acredita em Deus, alguém “pronunciar-se contra Deus”.

O caso teria começado no início do ano. “Questionei, no meu perfil particular do Facebook, um apresentador de TV que havia dito que um menino havia sido salvo por Deus”, explica Renata. “Houve uma discussão bem legal entre amigos católicos e ateus, de alto nível, no meu perfil.” O vereador teria entrado no debate e faltado com respeito, sendo criticado por isso.” Pouco tempo depois, na primeira sessão plenária, pediu a cabeça da assessora.

O vereador, que é do PMDB, tentou justificar o seu posicionamento também pelo ponto de vista dos apoios partidários, como do PT, que administra a cidade.  ”Até na nossa cidade o nosso vigário fez campanha aberta para o PT, então não acredito que possa existir agora alguém contratado pelo PT que seja contra Deus, que não acredite em Deus e divulgue isso para todo mundo”. Vale ressaltar que Renata é funcionária do Poder Legislativo e não do Executivo.

O blog tentou contato como vereador, mas foi informado de que ele poderia ser localizado na Câmara apenas em noites de sessão. Caso consiga, divulgará sua posição sobre o discurso. E, pelo que pude apurar, a mesa diretora não está considerando a exoneração da assessora.

A Associação de Ateus e Agnósticos (Atea) encaminhou uma representação ao Ministério Público do Rio Grande do Sul. Segundo a instituição, houve crime de discriminação religiosa.

“Em que pese exista a imunidade do parlamentar no exercício das funções, entendemos que a prática dos  crimes de racismo/discriminação previstos na Lei 7.716/89 não estão protegidos pela imunidade, pois não há qualquer conexão com a prática desses crimes com o nobre exercício da atividade parlamentar”, diz a representação.

Veja a íntegra da sessão quando ocorreu o pedido de exoneração, clicando aqui.

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