A questão indígena em Eirunepé

Juiz Wilson Witzel e cocarPor J. Rosha*

O estado de abandono em que se encontram os indígenas na cidade de Eirunepé (AM) não se resolverá com medidas restritivas ao direito deles de ir e vir, tal como estabelece  a Portaria número 02/2014, expedida pelo juiz Lioney Figliuolo Harraquian, titular da Segunda Vara da Fazenda Pública e responsável pela Comarca de Eirunepé. A referida Portaria tem duas determinações: proibir o uso de bebidas alcoólicas e estipula prazo de 48 horas para que a Fundação Nacional do Índio (Funai), sob pena de pesada multa, providencie a remoção dos indígenas de volta às suas aldeias após recebimento dos seus benefícios. 

É clara e acertada a preocupação do Juiz em relação aos efeitos do excessivo consumo de bebidas alcoólicas. Porém, de alcance prático limitado. A Coordenação Local da Funai tem solicitado formalmente por reiteradas vezes à  Polícia Militar local que haja com rigor contra a venda de bebida aos indígenas, conforme informações do Coordenador, Arquimimo Amaral da Silva. As autoridades policiais da cidade, no entanto, não agem com o devido rigor em relação aos comerciantes.

Segundo Arquimimo Amaral, a permanência prolongada dos indígenas na cidade se deve, dentre outras razões, à ineficiência dos vários órgãos governamentais como as agências do INSS e Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), cartório, setor de documentação da polícia civil e outros. “Os indígenas não ficam na cidade porque gostam, mas por necessidades iguais as de todos os cidadãos”, afirma ele acrescentando que “é pura verdade: os indígenas estão abandonados. Nós (da Funai), estamos sem perspectiva”.  Uma das iniciativas em curso para identificar as causas da prolongada permanência deles no local é a realização de um levantamento pela  equipe da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai). 

A Coordenação Local de Eirunepé tem apenas um funcionário e a obrigação de prestar assistência a 70 aldeias e mais de cinco mil indígenas dos municípios de Eirunepé, Envira, Ipixuna e Itamarati. À falta de funcionários acrescenta-se, ainda, o fato de que não há previsão para realização de concurso público tendo em vista ampliar o quadro de servidores e às dificuldades que poderão vir depois com a confirmação da aposentadoria de cerca de 40% dos efetivos atuais dentro de pouco tempo.

Aos apelos feitos pelo movimento indígena e entidades de apoio para prestar melhor assistência às populações da região, especialmente as que se encontram em situação vulnerável nas cidades do interior, o Poder Público tem se mantido indiferente: é precário o atendimento na saúde e educação e há um grande número de terras aguardando para serem identificadas, demarcadas e regularizadas. Reflexo da negligência dos governos Federal, Estadual e Municipais para com os povos indígenas foi a situação de abandono que resultou nos conflitos em Humaitá no final de 2013 e os eventos recentes verificados em Eirunepé.

Sem dúvida, o alto consumo de bebidas alcoólicas entre os indígenas causa problemas de graves consequências para as comunidades. Essa é uma realidade em, praticamente, todos os municípios e já resultou na morte de muitos por afogamento, brigas e conflitos com madeireiros e pescadores.

Mais do que uma portaria proibindo a venda de bebidas alcoólicas e restringindo o direito de ir e vir dos indígenas, faz-se necessário um esforço de todos os órgãos governamentais, em todas as esferas, para prover essas populações do acesso aos serviços básicos a que eles tem direito, mas que, lamentavelmente, está limitado à letra morta da lei.

*J. Rosha é jornalista, da Assessoria de Comunicação do Conselho Indigenista Missionário – CIMI.

[Enviada para Combate Racismo Ambiental por Paulo Daniel Moraes]

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