No semiárido denso de Remanso, coragem é um dom

Agroecologia envolve lógica da convivência com o semiárido. Da seca do passado até a de hoje o sertão não mudou, o modo de nele vivermos é que está mudando

Por Roberto Malvezzi (Gogó)* – Repórter Brasil

Depois de 35 anos andando por essas “quebradas do sertão”, como dizia Luís Gonzaga, é com uma boa dose de emoção que vejo esse curta dirigido por Tiago Carvalho, produzido em parceria pela Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), a VídeoSaúde – distribuidora de Fiocruz e o Canal Saúde. O semiárido denso de Remanso (BA), dona Gracinha e sua família vivendo com dignidade num período que em outras épocas seria uma tragédia social.

Impossível esquecer a seca de 1982 vivida em Campo Alegre de Lourdes, pouco mais de 80 km de onde dona Gracinha mora. Vimos tanta fome, sede, migração, frentes de emergência, saques e, sobretudo, mortalidade infantil que se tornaram cenas gravadas na parede da memória de uma forma indelével.

Aí vem a beleza desse vídeo. Trinta anos depois, com uma estiagem pior que aquela em termos de pluviosidade, a vida é levada até com certa facilidade. “Hoje é diferente”, diz a protagonista do vídeo. Ela adentrou a lógica da convivência com o semiárido. Ela cria mais que do que planta. Cria caprinos mais que bovinos. Planta palma mais que milho e sabe fazer a forragem. Vacina os animais. Sabe fazer o queijo, com toda higiene, e vendê-lo no mercado de Remanso. Aprendeu recolher e preservar a água da chuva em várias tecnologias e aproveitar a água do subsolo. Cultiva hortaliças em ambientes preparados. Parece que ela entendeu definitivamente o que é o Semiárido e o melhor jeito de se viver por aqui.

Então, ela pode continuar no campo do Semiárido mesmo em períodos de longas estiagens.

Talvez a mais bela expressão de uma agroecologia adequada ao semiárido seja o rosto das pessoas. A filha pode morar com ela na propriedade familiar. As pessoas que aparecem no vídeo tem saúde, beleza, segurança no que dizem.

As centenas de animais que rodeiam o barreiro na cena final, dizem que aqui, respeitando as características do clima e do ambiente, a vida pode ser bela, diversa, farta e segura.

O sertão não mudou, o modo de nele vivermos é que está mudando.

*Vive e atua junto a movimentos sociais no semiárido desde o final dos anos 70. É integrante da Comissão Pastoral da Terra e reside hoje em Juazeiro (BA). Leia mais sobre o trabalho que desenvolve em seu site.

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