Por Juliana Castro, em O Globo
Casado e pai de três filhos, Almir Muniz da Silva tinha 40 anos quando desapareceu em junho de 2002. O trator em que ele trabalhou naquele dia foi encontrado em Itambé, cidade na divisa entre Paraíba e Pernambuco. Tinha marcas de tiros. No dia seguinte, a família fez o registro de ocorrência. Em abril de 2009, o caso foi arquivado, e os parentes ficaram sem explicação. Inconformados, ONGs enviaram petição à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), da Organização dos Estados Americanos (OEA). Essa é uma das 361 denúncias de violação de direitos humanos que constam contra o Brasil no órgão. Na estatística, há também situações de violação à liberdade de expressão.
As denúncias (ou petições) são a primeira fase do trâmite na CIDH e, como os casos ainda estão em análise, são sigilosos. O GLOBO descobriu alguns deles, como o de Almir, porque ONGs, como a Justiça Global e a Conectas, apoiam as famílias na empreitada internacional.
A denúncia contra o Estado brasileiro no caso de Almir foi feita em 2009, por violações cometidas por agente do Estado e omissão nas investigações. Engajado na luta pela terra, Almir alertou, em 2001, a Assembleia Legislativa da Paraíba sobre a formação de milícias que contavam com o conhecimento de agentes do Estado. As ONGs dizem que há indícios de que ele foi morto por um policial civil. Além de casos sobre presídios e execuções policiais, as denúncias contra o Brasil envolvem até a construção da Usina Belo Monte, no Pará.
A Secretaria Especial de Direitos Humanos tem conhecimento de 130 casos — a maioria referentes a estágios mais avançados de tramitação do que a petição. A diferença de número acontece porque o Brasil ainda não foi notificado de todas as ocorrências.
— Nossa responsabilidade é resolver a violação e, por isso, trabalhamos com a busca de soluções amistosas — afirmou a ministra da Secretaria de Direitos Humanos, Maria do Rosário, para quem o dado de 130 casos já é alto e o de 361, que ela não reconhece, seria um número absurdo.
Todas as denúncias percorrem um caminho. Primeiro, a CIDH verifica se elas têm os requisitos necessários para tramitar, como, por exemplo, se houve esgotamento de todos os recursos internos possíveis no país e se o caso não está pendente em outra organização internacional.
Se atender aos critérios, o caso passa a tramitar, e a comissão tenta uma solução amistosa entre as partes. Se não há consenso, é emitido um relatório de admissibilidade. Caso o Estado não cumpra o estipulado, é emitido um relatório de mérito. O país que continua sem cumprir o determinado, pode ter o caso encaminhado à Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH).
Corte fará sessão extraordinária no país
A Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) — composta por sete juízes, incluindo o brasileiro Roberto de Figueiredo Caldas — estará no Brasil a partir de amanhã até a próxima quinta-feira para uma sessão extraordinária. É uma tentativa de se aproximar dos cidadãos e mostrar o funcionamento do órgão. No país, eles tratarão de um caso da Colômbia. A Corte IDH e a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) são os dois órgãos que compõem o Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos.
À Corte, chegam apenas os casos encaminhados pela CIDH, quando os países ignoram as determinações das etapas anteriores. Na Corte, o Brasil tem quatro condenações. A última delas, do fim de 2010, se refere à Guerrilha do Araguaia, quando os juízes responsabilizaram o Brasil pelo desaparecimento de 62 militantes de esquerda na guerrilha do Araguaia, na década de 70, durante a ditadura militar. A Corte também defendeu que o Brasil permita punições judiciais por abusos cometidos naquela época. Também em 2010, o Supremo Tribunal Federal (STF) confirmou que a Lei da Anistia impede processos contra torturadores.
— A Corte tem demonstrado que pode contribuir para mudanças domésticas quando o Estado for omisso ou falho em solucionar o caso internamente. Como exemplo, podemos destacar o caso Guerrilha do Araguaia. Apesar de o STF já ter entendido que militares e policiais que praticaram tortura ou outra grave violação de direitos humanos durante o período militar foram contemplados pela Lei da Anistia e, portanto, não podem ser julgados pelos crimes cometidos, o Estado brasileiro vem adotando medidas de forma a cumprir as demais determinações da Corte — disse Paula Spieler, professora da FGV Direito Rio.
Entre a medidas adotadas pelo país, ela cita a criação da Comissão Nacional da Verdade, a promulgação da Lei de Acesso à Informação Pública e a aprovação, pelo Senado, da Convenção Interamericana sobre o Desaparecimento Forçado das Pessoas.
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Enviada para Combate Racismo Ambiental por Ney D’dãn.