Refletindo com Lévi-Strauss a ideia do negro e do índio como outro

claude_levi_straussEustáquio José – O Brasil Nativo

Extrair de um antropólogo algo positivo sobre índios e negros não chega a ser nada de espantoso nem extraordinário. Claude Lévi-Strauss também não é novidade neste tema. Mas o que este antropólogo insigne disse de tão importante para as minhas preocupações e que me despertou uma forma de melhor defender esses “outros esquecidos” deve ser compartilhado aqui. Não é nada demais, nem é algo técnico e extremamente enfadonho, mas, pelo contrário, instigante e motivador. Não é nada que carregue o academicismo nas veias, mas algo que é bem mais sensível e típico de um grande pensador, mas, em especial, de um grande ser humano.

Certa vez Lévi-Strauss, em seu livro Três Formas de Humanismo, disse que a antropologia era a “afirmação do princípio da alteridade”, isto é, que a antropologia era atender a um “apelo para o homem reconhecer-se no outro”, de se colocar como “um perante outros” e de fazer disso uma condição existencial, uma forma de vivência e experiência. Essa constatação forte, e simples, contudo, não é nem de perto seguida pelo chamado “homem civilizado”, ou como bem diz a música do Titãs “cidadão civilizado”. Hoje o que mais vemos é a tentativa exacerbada de uniformização e de ditadura da identidade. Essa escolha por se condicionar todos ao mesmo e massificar tudo prejudica quem, por um acaso, for diferente e, principalmente deforma até nossa maneira de se reconhecer, que é pelo outro. Lévi-Strauss repete Hegel quando este disse que o reconhecimento é o ponto fulcral de nossa consciência e de nossa condição, o ponto de inflexão no qual há o retorno, há o salto e a condição de se ver que nós temos um campo, um espaço, ocupamos este espaço e somos nós mesmos. Reconhecer-se no outro, mais do que um ditame dialético, é um ponto cotidiano, é uma expressão da vida humana. 

Esse “outro” quem é? Aqui eu volto ao tema deste blogue e de minhas preocupações totais com o ser humano: esse outro humano, em primeiro lugar, são os relegados e os marginalizados dentro de nós. Não somos uma espécie homogênea submetida a uma cultura só que se debruça nesse império do etnocêntrico acima de tudo. Nós somos mais que isso. Nós, acima de tudo, é mais do que um conjunto de “eus”, mas é um conjunto entre “eus” (os iguais) e “eles” os outros. Esses outros, não fala só do assunto do filme hollywoodiano (Os Outros), mas de culturas diferentes, afinal são tantas quanto existem agrupamentos humanos. Culturas essas que se personificam, no caso brasileiro, em dois grandes “cabedais”, e suas centenas de subgrupo que são identificados violentamente como “índios” e “negros”. Tanto o genérico índio quanto o genérico negro ainda podem manter suas culturas e por isso são jogados para a margem. A violência decepa mais as suas cabeças do que provoca nelas uma lavagem cerebral. É mais forte e compacta a forma dessa condição aparecer do que nós identificarmos esse outro como um de nós. Não o são. Essa malvadeza cultural é histórica e visível até hoje. Um índio em Roraima ter que ir a uma escola de formação para dar aulas de cultura indígena e uma índia, neste mesmo lugar, dançar com trajes havaianos sem nem mesmo ter raiz ancestral por aqueles lados é, no mínimo, triste e sensivelmente irreversível. A violência da catequização dos índios primeiro pelos jesuítas e a violência das campanhas de evangelização em tribos africanas demonstram o desrespeito pelo outro e a imposição do mesmo como moeda de troca para deixá-los existir. A um zulu convertido o direito e a um zulu de religiosidade própria o inferno! Aí mora a violência.

Assim a ideia, também hegeliana, de caminhada a um ápice – e este ápice se dando na cultura protestante de seu tempo – é o ponto fraco do pensador alemão, pois denuncia a violência impositora. Aí eu me volto à esperança, ao messianismo da antropologia, enquanto humanismo mais forte, para apelar para que o outro continue sendo outro, não mais um outro, mas o outro por excelência. Não vale apenas para índios e negros, mas para todos, a cultura não existe, existem culturas no plural. Então, por que eu precisaria ser etnocêntrico? Por que eu tenho que impor a minha cultura de qualquer jeito? Que tipo de caminho eu quero seguir aqui? Não, eu não aceito a ditadura da violência da identidade, não aprovo tais métodos. Se eu me digo negro, como sempre direi porque me considero assim, eu afirmo essa condição num contexto definido: o de afinidade e de reconhecimento de que não sou o não-negro. É simples tal afirmação, embora seja difícil de que outros aceitem. A identidade existe, porém não é cativa nem cativadora. Não posso impô-la nem fazer dela religião, pois não o é.

Tudo gira em torno da pequenina frase-apelo de Lévi-Strauss. Essa lucidez e essa clareza de objetivo é-me surpreendente.

Só assim inclino-me a pensar o quanto poderíamos ganhar se nós ativéssemos a este tipo de modelo e de pensamento. Por isso eu posso entender que hajam direitos para todos. Quais? O direito primordial de todo ser vivente: de se reconhecer pelo outro e de poder ver o outro de si. A linguagem pode ser difícil de assimilar num primeiro momento, mas é simples: nós não podemos querer impor nada além do que está a nossa frente como sendo óbvio: existem outros. É bom que existam! Por que é bom? Porque só assim eu sei quem sou, quem posso ser a cada momento. E o respeito a isto traria uma vida melhor, pois não se mataria tantos índios, tantos negros nem se escravizaria os dois. A legitimidade do que digo é transportada para o que sinto de forma avassaladora. Essa frase é um cartão de visita e é algo permanente neste heraclítico todo que vivemos. Pensem nisso!

Deixe um comentário

O comentário deve ter seu nome e sobrenome. O e-mail é necessário, mas não será publicado.