Ex-ministros do STF dizem que condições impostas à Raposa Serra do Sol não se aplicam a outros casos. Julgamento no STF começa às 14h

Representantes indígenas acompanham julgamento no Supremo Tribunal Federal da demarcação contínua da Terra Indígena Raposa Serra do Sol. Dezembro de 2008. Foto: Wiki.
Representantes indígenas acompanham julgamento no Supremo Tribunal Federal da demarcação contínua da Terra Indígena Raposa Serra do Sol. Dezembro de 2008. Foto: Wiki.

Julgamento começa às 14 horas de hoje, no STF. “Relator do processo, o ex-ministro Carlos Ayres Britto considera que as 19 condicionantes fixadas para a Raposa Serra do Sol não se estendem automaticamente a outras áreas indígenas em processo de demarcação ou já existentes. “Penso que as condicionantes não valem para outros casos”. O ex-ministro Eros Grau, ao ser perguntado se levou em conta a hipótese de as regras estabelecidas em 2009 serem posteriormente estendidas para outros processos demarcatórios, respondeu que votou “o caso, para o caso, sem ter em mente nada senão o que deveria ser decidido” à época”.

Alex Rodrigues, Repórter da Agência Brasil

Brasília – Dois ex-ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) disseram à Agência Brasil que tinham em mente apenas o caso específico da Raposa Serra do Sol quando, em 2009, discutiram e ajudaram a estabelecer as 19 condições aprovadas para que cerca de 20 mil índios de cinco etnias se fixassem definitivamente na terra e os não índios deixassem a área. Há mais de quatro anos, eles votaram pela manutenção da demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, em uma única área contínua de 1,74 milhão de hectares. No ano passado, a Advocacia-Geral da União (AGU) publicou a Portaria 303 baseada na decisão do STF.

Relator do processo, o ex-ministro Carlos Ayres Britto considera que as 19 condicionantes fixadas para a Raposa Serra do Sol não se estendem automaticamente a outras áreas indígenas em processo de demarcação ou já existentes. “Penso que as condicionantes não valem para outros casos”. O ex-ministro Eros Grau, ao ser perguntado se levou em conta a hipótese de as regras estabelecidas em 2009 serem posteriormente estendidas para outros processos demarcatórios, respondeu que votou “o caso, para o caso, sem ter em mente nada senão o que deveria ser decidido” à época.

Britto e Grau são dois dos dez ministros que, em março de 2009, validaram a demarcação da Raposa Serra do Sol conforme a União havia determinado em 1998 e homologado em 2005. Durante o julgamento, apenas o ministro Marco Aurélio Mello votou pela anulação do processo administrativo de demarcação da área. Na época, Britto defendeu que, se aprovada, a 17ª condicionante, que proíbe a ampliação de terras indígenas já demarcadas, só poderia vir a valer para o caso que estava em julgamento, ou seja, para a Raposa Serra do Sol. Britto se aposentou este ano. Grau deixou o STF em agosto de 2010.

Procurados, a ex-ministra Ellen Gracie não quis se pronunciar sobre o assunto e o ex-ministro Cezar Peluso não respondeu aos e-mails enviados pela reportagem por meio de sua secretária.

O entendimento de que a decisão do STF estabeleceu um precedente jurídico, a partir do qual as 19 condicionantes se aplicam automaticamente a outros processos demarcatórios de terras indígenas, motivou a AGU a publicar, em 2012, uma portaria estabelecendo que advogados e promotores públicos devem observar o cumprimento das mesmas condições impostas à Raposa Serra do Sol em qualquer processo demarcatório, inclusive nos já finalizados.

A chamada Portaria 303 gerou protestos de índios e de organizações indigenistas. A Fundação Nacional do Índio (Funai) também manifestou preocupação com a iniciativa, alegando que ela restringe direitos indígenas ao tomar como base uma decisão não definitiva, uma vez que ainda falta o STF julgar os chamados embargos declaratórios apresentados ao processo – julgamento que está previsto para começar hoje (23) à tarde. Ao menos 30 índios de várias etnias e diferentes regiões estão em Brasília para acompanhar a sessão do STF desta quarta-feira.

Após protestos indígenas, inclusive com o bloqueio de estradas e com a ocupação do plenário do Congresso em protesto contra essa e outras iniciativas que os índios consideram prejudiciais aos seus interesses, a AGU suspendeu a entrada em vigor da portaria até que o STF aprecie os oito embargos e dê a palavra final sobre a validade das 19 condicionantes e se elas se aplicam a outros casos além da Raposa Serra do Sol.

Para o assessor jurídico do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), organização ligada à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Adelar Cupsinski, as manifestações dos dois ex-ministros à Agência Brasil têm um peso que não pode ser ignorado no julgamento de hoje à tarde, principalmente pelos ministros que assumiram depois de março de 2009.

“Dizer que as condicionantes se aplicam automaticamente a outros casos é uma interpretação extremamente equivocada e, a meu ver, essas manifestações reforçam os argumentos pela derrubada definitiva da Portaria 303”, declarou o advogado, argumentando que, mais que anular a portaria, índios e militantes do movimento indigenista esperam ver as condicionantes anuladas. “Como essas condições não eram objeto da ação [Petição 3.388] e foram propostas durante o julgamento [que considerou constitucional a demarcação da reserva em área contínua], não houve o contraditório, sem o qual elas não poderiam ser fixadas”.

O argumento de Cupsinski vai ao encontro do embargo declaratório proposto pela Procuradoria-Geral da República (PGR), que sustenta que não cabe ao STF legislar, que não houve discussão prévia com a sociedade sobre as regras impostas com a aprovação das 19 condicionantes e que várias delas ferem os interesses das comunidades indígenas.

Entre as regras mais contestadas pelos índios estão, além da que proíbe a ampliação das reservas já homologadas, a que estabelece que o “relevante interesse público da União” no uso de riquezas minerais se sobrepõe ao direito das comunidades indígenas ao usufruto da terra; as que fixam que o usufruto indígena da terra não abrange o aproveitamento de recursos hídricos e potenciais energéticos, pesquisa, lavra e garimpagem de riquezas minerais, atividades que dependerão de aprovação do Congresso Nacional; a que autoriza a União a criar estradas e vias de transporte e instalar redes de comunicação e equipamentos públicos no interior de áreas indígenas sem estabelecer a necessidade de consulta e diálogo com as comunidades afetadas.

A AGU preferiu não comentar as declarações dos ex-ministros até que o STF julgue os embargos declaratórios.

Edição: Graça Adjuto

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