MA – Quilombolas retomam território

moquibom-timbre

“Tá no Livro da Vida:
Deus entregou a terra a Adão para ele a cultivar e dela tirar o seu sustento.
Deus não vendeu terra para ninguém”.

Com essas palavras um senhor com mais de 60 anos de idade iniciou seu testemunho sobre a luta recente dos quilombolas de Outeiro Grande, Benfica e Janaubeira, no município de Santa Helena, estado do Maranhão, para defender seu território da sanha violenta dos latifundiários que desejam apenas explorar a terra e suas bondades, como dizem os povos indígenas na Cordilheira dos Andes.

Desde que os primeiros africanos e africanas, fugindo da escravidão em fazendas dos atuais municípios de Pinheiro e Serrano do Maranhão (MA), ali chegaram, viveram em harmonia e liberdade. Plantam, colhem, pescam, celebram, casam-se, criam seus filhos e ali são plantados quando voltam ao pó da terra.

Há uns 20 anos tiveram que enfrentar fazendeiros que pretendiam transformar igarapés, rios e lagos em criatório de búfalos que toldavam as águas, destruíam as plantam afugentavam aves, animais e contaminavam peixes. Nos últimos dias a volta ao cativeiro parecia iminente. Os quilombolas foram informados que o empresário Raimundo Gaspar, residente em São Luís, e que há alguns anos se diz proprietário de uma área de quase 2.000 hectares dentro do território quilombola, pretendia encerrar as 43 famílias do quilombo Benfica em uma área menor que 100 hectares de terras, o que representaria um pouco mais de 01 hectare por família.

Nas palavras de outro quilombola: “passar por baixo de arame farpado é como voltar ao tempo do cativeiro e isso não podemos aceitar”. Outro acrescentou: “não aceitamos essa humilhação em respeito à memória dos nossos antepassados que lutaram contra a escravidão. Aqui nós podemos andar livres, nunca conhecemos cercas, nem porteira, afinal não somos gado”. “Porque gado a gente marca, tange, ferra, engorda e mata, mas com gente é diferente”, disse o poeta.

A harmonia com a mãe natureza saltou nas palavras de um quilombola: “os igarapés da Faveira, Taquiri, Mutum… e o lago São Francisco são o pai e a mãe não só dos quilombolas daqui, mas de gente de muitos municípios – Pinheiro, Central do Maranhão, Mirinzal, Cururupu, Bequimão, Serrano do Maranhão… – que pescam aqui para sustentar suas famílias. Fora daqui não podemos viver. Conhecemos todos os caminhos e veredas”.

Naquela noite novamente o Som dos Tambores nos fez cantar e dançar. Transportou-nos à Terra Sagrada de África. Fez-nos ouvir a Voz dos Orixás e dos nossos Encantados. Fez-nos ouvir as palavras de nossos Ancestrais: Avancem. E com nosso canto e nossos corpos em dança respondemos: Avançaremos na luta em defesa do nosso chão sagrado.

Por essas e outras profundas razões os quilombolas decidiram expulsar o invasor. Montaram barricadas, ergueram acampamento, hastearam bandeira. De outros quilombos chegaram solidariedade-apoio-comida-força-esperança acalentados e carregados em corpos saídos do isolamento social imposto pelas cercas do latifúndio escravocrata.

Dia 20 de outubro, à sombra de uma mangueira – como em tempos passados – os do Caminho de Jesus de Nazaré ouvimos e partilhamos: “a caminho da “terra onde corre leite e mel” foi preciso enfrentar os poderosos que cercaram e se declaram donos das terras férteis e nessa luta foi fundamental a solidariedade para sustentar os braços dos que lutavam; a vitória da Justiça é fruto da luta persistente dos “Pobres nO Espírito”, representados por uma mulher viúva.

A todo o momento e em todos os cantos sempre há um grupo discutindo os rumos da resistência; realizando alguma tarefa ou em atividades lúdicas. Um acampamento é mesmo uma escola, como dissera Aquiles, do quilombo Charco-Juçaral.

Enfim, naquele lugar-memória da resistência às cercas do latifúndio escravocrata que desmata e mata, mulheres e homens – crianças, jovens e adultos – estão escrevendo novas páginas da História em Territórios Livres.

Essa luta não é apenas para efetivar o direito constitucional (art. 215 e 216/CF e art. 68/ADCT), é antes de tudo um dever de justiça com os que foram arrancados de África e, nestas terras da Santa Cruz, escravizados, mas resistiram bravamente e formaram quilombos para derrubar o sistema escravista.

Enquanto fazia este registro fui lembrado:

“E quem nos ajudará
A não ser a própria gente
Pois hoje não se consente esperar.
Somente a rosa e o punhal.
Somente o punhal e a rosa
Poderão fazer a luz do sol brilhar”.

Enviada para Combate Racismo Ambiental por Mayron Régis.

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