Kátia Brasil – Amazônia Real
Sobrevivente de massacres contra sua etnia, o índio Aruká é o último guerreiro vivo do povo juma da Amazônia. Em agosto deste ano, ele, suas três filhas, os maridos de duas delas, da etnia uru-eu-wau-wau, e os netos regressaram à terra tradicional localizada na bacia do rio Purus, município de Canutama, distante a 615 km ao sul de Manaus (AM).
É a quinta tentativa de retorno dos juma em cinco anos. Em 2008 a Funai (Fundação Nacional do Índio) foi obrigada a promover o regresso da etnia em a cumprimento a decisão da Justiça Federal do Amazonas por danos à cultura desse povo.
No entanto, os índios juma encontram dificuldade de voltar à reserva pela própria sobrevivência e adaptação. Faltam moradias, atendimento de saúde, educação e água potável. Outro obstáculo são os laços do casamento inter-étnico das três mulheres juma com índios uru-eu-wau-wau da aldeia do Alto Jamari, em Rondônia.
Aruká e suas filhas, Mborehá, Maitá, e Mandei, além de um casal de tios idosos, Marimã e Inté, foram retirados de suas terras, em 1998, por decisão unilateral do administrador regional da Funai (Fundação Nacional do Índio) de Porto Velho (RO).
Segundo documentos da Funai, o servidor – que não teve o nome revelado – alegou na ocasião que as filhas do guerreiro eram exploradas sexualmente por pescadores e ribeirinhos. A violência foi registrada em Boletim de Ocorrência da Polícia Civil de Lábrea (AM).
Situação de risco
A reportagem do portal Amazônia Real localizou o indigenista Isaac da Silva Albuquerque, 50 anos, que trabalha na Coordenação Regional da Funai no Alto Purus (AM). Ele presenciou as consequências da retirada dos juma da terra indígena em 1998
Sem dizer o nome do administrador de Porto Velho, responsável pela mudança de território, Albuquerque disse que o servidor justificou a transferência dos índios aos superiores. “O administrador afirmou que as meninas estavam expostas a situação de risco porque andavam em meio aos ribeirinhos”, afirmou o indigenista.
Segundo Albuquerque, o grupo juma fora enviado primeiro à Casa do Índio da capital de Rondônia para o tratamento de saúde do idosos. Depois, foi transferido à aldeia Alto Jamari da etnia uru-eu-wau-wau, região de Guajará-mirim (RO), distante cerca de 300 quilômetros da terra tradicional.
O sertanista Sydney Possuelo, 73, ex-presidente da Funai e coordenador do Departamento de Índios Isolados em 1993, afirmou que foi contrário à retirada do juma da terra tradicional, mesmo a etnia estando desassistida e abandonada pela própria fundação e missionários.
“Essa história serve para dizer o seguinte: não se tira índio da terra tradicional dele. Tudo que se faz nesse sentido dá errado. Hoje a etnia sofre com o drama do retorno e da adaptação dos maridos das juma”, disse Possuelo. “Nós mesmos, que somos civilizados, quando vamos para outro país temos saudade da nossa terra. Imagina aqueles que só têm como afinidade a mata, o ambiente em que nasceu!”, concluiu..
Na ocasião da saída dos índios do território tradicional, a Funai e o Cimi (Conselho Indigenista Missionários), da Igreja Católica, discutiam uma solução para evitar a extinção da etnia. Na época adolescentes, Mborehá, Maitá e Mandei não tinham opção de casamentos por falta de homens jovens da etnia. Os antropólogos estudavam a aproximação das meninas com jovens uru-eu-wau-wau, o que acabou acontecendo.
Tristeza
Depois da saída da terra tradicional, o tuxaua Marimã morreu em 1998 e Inté em 1999. “Eles morreram provavelmente de tristeza e inadaptação ao novo lar”, disse à reportagem Carlos Travassos, coordenador-geral de Índios Isolados e Recém Contatados da Funai.
Neste mesmo ano, a Coiab (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira) e o Cimi (Conselho Indigenista Missionário) denunciaram à Procuradoria da República no Amazonas a retirada ilegal dos juma de suas terras pelos funcionários da Funai.
Com base numa ação do Ministério Público Federal, a Justiça Federal do Amazonas determinou o retorno dos índios às suas terras e responsabilizou a fundação de danos morais coletivos. O regresso dos índios começou a ser cumprido pela Funai a partir de 2008.
Aruká animado
O quinto retorno dos juma à terra tradicional foi acompanhado por representantes da Funai (Fundação Nacional do Índio) e da ONG (organização não governamental) Kanindé Associação de Defesa Etnoambiental de Porto Velho (RO). Desta vez, a viagem durou cerca de dez dias e foi preciso utilizar carros, barcos e fazer caminhadas pela floresta para chegar ao destino.
Segundo relatório de Ivã Bocchini, coordenador regional da Funai de Humaitá (AM), Aruká Juma (que tem aproximadamente 75 anos de idade) vivia desgostoso e sofrendo por estar distante de sua terra.
“A vontade pelo retorno era grande. Hoje o velho Aruká está animado e voltou à ativa. É visto o dia todo trabalhando, confeccionando flechas, colhendo frutos. Já sorri mais e interage bem com a família, que cresce”, afirmou Bocchini.
Fragilidade
Em entrevista ao portal Amazônia Real, o indigenista Leonardo Cruz, coordenador Etnoambiental da Kanindé, que também acompanhou o recente retorno dos juma, disse que desde 2009 os índios juma tentam regressar definitivamente ao território tradicional. Mas, segundo ele, encontram dificuldades de sobrevivência no lugar. “Faltam recursos da Funai, moradias, assistência de saúde, educação e até o fornecimento de água potável”.
“Os juma são um povo em condições frágeis, que necessitam de atenção urgente para sua situação. Cabe ao Estado Brasileiro providenciar necessário para que eles possam se manter em seu território com qualidade de vida”, afirmou Cruz.
Ivã Bocchini afirma no documento, que o processo de retorno dos juma é difícil porque o grupo convive com os uru-eu-wau-wau da aldeia do Alto Jamari (RO) há 14 anos. Aruká e suas filhas casaram-se e participam das cerimônias e rituais dos uru-eu-wau-wau. “Crianças nasceram fruto do casamento inter-étnico, criando laços indissolúveis com o Alto Jamari”, disse Bocchini.
Na lona
O primeiro deslocamento dos índios juma para a terra ocupada tradicionalmente aconteceu em 2009, 11 anos após a transferência para a terra dos uru-eu-wau-wau. O indigenista Leonardo Cruz acompanhou a viagem das famílias de Mborehá, Mandei e o pai delas, Aruká, além de funcionários da Funai. “Ficamos por lá 20 dias num acampamento”, disse.
Em 2010, conforme o indigenista, o grupo voltou à terra Juma para fazer uma maloca na aldeia, retornando 22 dias depois. “Tivemos que retornar devido às despesas altas, arcadas pela Kanindé”, afirma Cruz.
Travassos afirmou à reportagem que, em 2011, seus funcionários acompanharam os jumas em uma viagem de dez dias à reserva. “Eles ficaram debaixo de lonas, pois na época ainda não havia estrutura de aldeia”, contou.
Em 2012, segundo o coordenador, foram realizadas várias incursões ao território juma. Eles permaneceram 170 dias no local, independente da presença de funcionários da Funai.
Na aldeia juma do rio Açuã foi construída uma cozinha. Segundo a Funai, será instalado um gerador de energia e uma bomba d´água. Com relação à educação e saúde, a fundação afirma que iniciou acordo com as prefeituras de Canutama e Humaitá, ambas no Amazonas, para envio de equipes de enfermeiros e contratação de um professor e construção de uma escola.
“Em 2013 os juma passaram apenas dois meses na terra dos uru-eu-wau-wau. Consideramos que o processo de retorno está sendo bem sucedido”, afirma Carlos Travassos, coordenador-geral de Índios Isolados.