Nota de Repúdio às Prisões da Manifestação do Dia do Professor no Rio de Janeiro

Sempre que os legisladores tentam tirar e destruir a propriedade do povo,
ou reduzi-lo à escravidão sob poder arbitrário,
entra em estado de guerra com ele[…]perde,
por esta infração ao encargo,
o poder que o povo lhe entregou para fins completamente diferentes,
fazendo-o voltar ao povo, que tem o direito de retomar a liberdade originária[…]
(Segundo tratado de J. Locke, p. 127)

Advogados (as), defensores (as) públicos e professores de Direito abaixo-assinados vêm, em face do tratamento dado pelo poder público às manifestações no país e, especificamente, sobre as prisões ocorridas no Rio de Janeiro-RJ, na manifestação do dia do Professor; expressar seu desacordo com as autuações pelos motivos que se seguem:

  1. Não se pode tratar o direito de manifestação, de reivindicação como atividade criminosa. As prisões ocorridas, sejam durante a manifestação, sejam após, das pessoas que ocupavam a Câmara Municipal, claramente, mostram-se ser de motivação política vedada, por todo o nosso ordenamento jurídico;
  2. Sem prejuízo da crítica à nova Lei de Organização Criminosa, por sua fragilidade técnica, trazendo tipos penais imprecisos, abertos, mas se atendo ao seu uso ao caso em questão, é necessário dizer que aplicá-la aos manifestantes em comento, significa atacar a liberdade de manifestação, de reunião e de ir, vir e permanecer; direitos garantidos em nossa Constituição Federal (art. 5º, IV, VIII, XV e XVI). A Lei de Organização Criminosa, note-se bem, foi criada para lidar com a chamada “macro-criminalidade”, isto é, com redes criminosas de considerável porte, que apresentem estrutura de comando e razoável estabilidade em seu funcionamento (milícias, cartéis de droga, etc.). É, portanto, absolutamente equivocada a aplicação da referida lei àqueles que estão se manifestando nas ruas do país. Não se pode aplicá-la nem mesmo àqueles que tenham danificado o patrimônio público ou privado. Para estas situações, apuradas as circunstâncias e verificados os fatos, há tipos penais específicos, previstos no Código Penal (crime de dano, por exemplo), que poderão, a depender do caso concreto, ser aplicados;
  3. Pelos mesmos motivos expostos no item 2, não se pode admitir a imputação de incitação ao crime (art. 286, do Código Penal), e confundir isto com o direito de manifestar suas convicções políticas. Estar em desacordo com o que pensa a maioria dos membros do legislativo, ou dos gestores, é direito de qualquer pessoa. Deve-se lembrar que parlamentares e gestores públicos são mandatários do poder popular, como estabelece a nossa Constituição (art. 1º, § único, da CF);
  4. A corrupção de menores do Código Penal (art. 218) é, primeiramente, incabível na situação, por tratar-se de crime sexual contra vulnerável. Da mesma forma a corrupção de menores do Estatuto da Criança e do Adolescente- ECA(244-B). Seria passar por cima da Constituição Federal (art. 227) e do ECA (art. 3º e 4º), achar que estas pessoas não possuem direito de se manifestarem. Seria considerar o direito de se manifestar crime! Sendo sujeito de direitos, podem reivindicá-los, organizarem-se para tanto, manifestarem-se para benefício seu ou em solidariedade de terceiros. Imputar crime a maior de idade, por estar junto à criança e adolescentes em manifestação política é anular os direitos destes últimos. Como bem o Estatuto diz,a criança e o adolescente têm o direito à liberdade (art. 15) e também entende-se por liberdade participar da vida política (art. 16, VI);
  5. Sobre os demais crimes, claramente, faltam indícios de materialidade, prova dos fatos, e de que os acusados estariam envolvidos nas acusações impostas. Mas há diversas provas, inclusive vídeos em redes sociais, da violência policial, e do crime de abuso de autoridade, havendo uma inversão dos fatos e das ações, o que decorre em falsas acusações de desobediência, desacato e lesão corporal;
  6. As forças policiais não podem ser usadas como polícia política. Repudiam-se tais ações por isto. O dialogo concreto com a população insatisfeita, a inversão de valores nas decisões políticas, visando beneficiar a maior parte da sociedade são os caminhos indicados para a resolução dos conflitos sociais;
  7. Repudia-se da mesma forma a utilização do Poder Judiciário para legitimar violações de direitos e criminalizar manifestantes e movimentos sociais;
  8.  Outras instituições do sistema de justiça, especialmente o Ministério Público, quando se somam a esta postura violadora e criminalizante, ou quando são omissas, não guardam nenhum apreço com a sociedade a que deve servir, carecendo de uma reformulação para que cumpram o seu verdadeiro escopo;

Assim, aqueles que subscrevem este documento pugnam pelo Estado Democrático de Direito. Antes de se condenar as manifestações, deve-se buscar as suas motivações. Avanços sociais,que devem ser considerados, ainda não tiveram força de modificar uma histórica estrutura de concentração de terra, renda e poder político nas mãos de poucos, causando inúmeras injustiças sociais. Esta é a realidade que deve ser enfrentada. O povo vai à rua por maior participação política e controle social, seus direitos, e deveres para com as presentes e futuras gerações!

Assinam a nota:

  1. Adriano Espíndola Cavalheiro, Presidente da Comissão de Movimentos Sociais da OAB-Uberaba, OAB-MG 79.231
  2. Alan Morais, OAB- CE 14.614
  3. Alexandra Montgomery, OAB-SP 231.531
  4. Alexandre Mandl, OAB-SP 248.010
  5. Aline Caldeira Lopes, OAB-RJ 173.939
  6. Ana Cacilda Rezende Reis, OAB-BA 19.834
  7. Ana Celina Bentes Hamoy, OAB-PA 5.147
  8. Ana Claudia Tavares – Mariana Criola
  9. Ana Lia Vanderlei de Almeida. OAB-PB 15.913
  10. Ana Virginia Porto de Freitas, membro da RENAP, OAB-CE 9.708
  11. André Carneiro Leão, Defensor Público Federal.
  12. Antonia Guedes Cabral Rocha, Vereadora de Fortaleza-CE (PSOL), OAB-CE 9.429
  13. AtonFon Filho, membro da RENAP e da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos, OAB-SP 100.183
  14. Bernardino Camilo da Silva, OAB-PR 59.300
  15. Bruno Solano Oliveira Feitosa, membro da RENAP, OAB-CE 5.658-E
  16. Caio Nogueira de Castro,  OAB-RJ 173.532
  17. Carlos Augusto M. de Aguiar Junior, OAB-CE 20.155
  18. Carlos Eduardo Lemos Chaves, OAB-BA 16.430
  19. Carlos Eufrásio, professor
  20. Carolina Passos Sucupira Cunha, OAB-BA 18.713
  21. Claudiomar Bonfá, OAB-RO 2.373
  22. Cleuton César Ripol de Freitas, Professor da UFG, OAB-GO 19.405
  23. Cristhovão Fonseca Gonçalves, OAB-PE 34.959
  24. Cristiane Gonçalves de Oliveira OAB-RJ 141.291
  25. Cristiano Therrien, OAB-CE 13869
  26. Daniel Araújo Valença, OAB-RN 6.699
  27. Daniel Teles Barbosa, DefensorPública Federal em João Pessoa-PB
  28. Daniela Felix Teixeira, OAB-SC 19.094
  29. Daniella Alencar Matias, OAB-CE 17.714.
  30. Davi Aragão Rocha, membro da RENAP, OAB-CE 21.452
  31. David Barbosa de Oliveira, professor universitário, OAB-CE 16.161
  32. Denise da Veiga Alves, OAB-DF 24.399
  33. Diego H. Coriolano da Silva, membro da RENAP e DIGNITATIS, OAB-PB 10564-E
  34. Diego Maciel Aragão Britto, OAB-DF 32.510
  35. Ecila Moreira de Meneses,professora de Direito da Estácio FIC, OAB, 10.990
  36. Elcio Pacheco, Membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB-MG, OAB-MG 117511
  37. Membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB/MG.
  38. E. Emiliano Maldonado, OAB-RS 82.227
  39. Elizabeth Chagas, Defensora Pública do Estado do Ceará
  40. Erick Luiz Rastelli, OAB-CE 12.241
  41. Erika Lula de Medeiros, membro da Renap, da Articulação Justiça e Direitos Humanos- JusDH, da Terra de Direitos, OAB-DF 38.307
  42. Fabio Delano Vidal Carneiro, OAB-CE 12.261
  43. Filipe Jordão Monteiro, OAB-SP 326.197
  44. Flávio José Moreira Gonçalves, Professor Universitário na UFC, UNIFOR e UNICHRISTUS, Mestre em Direito e Mestre em Filosofia, Doutorando em Educação
  45. Francisco Carlos Mourão Neto, membro da RENAP, advogado do MST, OAB-CE 23.967
  46. Francisco Cláudio Oliveira Silva Filho,  OAB-CE 20.613
  47. Francisco José Nogueira, OAB-CE 11770
  48. Gabriela Lima Lapenda, Centro Popular de Direitos Humanos, OAB-PE 30307
  49. Geovana Cartaxo de Arruda Freire, OAB-CE 9.546
  50. Gerlena Maria Santana de Siqueira, Procuradora Federal, OAB-DF 27.231
  51. GervanoVicent, OAB-RO 1.456
  52. Giane Ambrósio Alvares, OAB-SP 218.434
  53. Henrique Botelho Frota, professor universitário, diretor do Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico, OAB-CE 18.477
  54. Homero Bezerra Ribeiro, membro da RENAP, Prof. de Direito Penal da FIBAM, OAB-CE 22.622
  55. Hugo Belarmino de Morais, OAB-PB 15.640
  56. Igo Castelo Branco de Sampaio, Defensor Público titular da 1.ª Defensoria de Direitos Humanos e Tutela Coletiva do Estado do Piauí
  57. Irineu Ramos, OAB-SP 310.175
  58. Isabel Sousa, membro da Renap, OAB-CE 24.903
  59. Isabelle de Castro Maciel, OAB-CE 18.323
  60. Jairo Rocha Ximenes Ponte, membro da RENAP, Professor Universitário, OAB-CE 15.869
  61. Janete Peruca da Silva, membro da RENAP, OAB-SP 326.230
  62. José Vagner de Farias, Defensor Público do Estado do Ceará
  63. João Alfredo Telles Melo, Vereador de Fortaleza-CE (Psol), Professor de Direito Ambiental, Fa7, OAB-CE 3.762
  64. João Chaves, Defensor Público Federal em São Paulo-SP, Matricula nº 395
  65. João Paulo Medeiros, Prof. de Sociologia Jurídica – UERN – Mossoró- RN,  OAB-RN 9028
  66. João Urias. Advogado sindicalista, OAB-SP 306.823
  67. Juliana Linhares A. Lopes, membro da RENAP e Defensora Pública do Estado do Amazonas
  68. Laíze Gabriela Benevides Pinheiro, coordenadora de comunicação do Instituto de Defensores de Direitos Humanos- DDH, bacharel em Direito
  69. Laura Helena Morais, Centro Popular de Direitos Humanos.
  70. Lídia Ribeiro Nóbrega, Defensora Pública Federal em João Pessoa-PB
  71. Luana Paula Ribeiro Varejão, Centro Popular de Direitos Humanos, OAB-PE 31774.
  72. Luaní Melo, Defensora Pública Federal em Maceió-AL
  73. Lucas Vieira Barros de Andrade, mestrando em Sociologia e Direito, OAB-PI – 8.685
  74. Luciana Silva Garcia, OAB-BA 16.015
  75. Ludmila Cerqueira Correia, OAB-BA 17.468
  76. Maíra Mendonça Gomes, OAB-RN, 11.994
  77. Marcelo Pessoa Pontes, OAB-CE 17.715
  78. Márcio Alan Menezes Moreira, OAB-CE 18.728
  79. Marcio Pereira, Professor de Processo Penal na Fac. de Direito da UFC, OAB-BA 17.293
  80. Marcus Giovani Ribeiro Moreira, professor Universitário, OAB-CE 12393
  81. Maria Gabriela Lima, membro da RENAP, OAB-CE 23.220
  82. Mariana Cruz Montenegro. Procuradora da Fazenda Nacional, OAB-CE 16131
  83. Mário Ferreira de Pragmácio Telles, Professor da UFF, OAB-CE 19.624
  84. Maurício Gentil Monteiro, Conselheiro Federal da OAB, Professor de Direito Constitucional da Universidade Tiradentes(SE), OAB-SE n° 2.435
  85. MelisandaTrentin, OAB-RJ 144.956
  86. MyllenaCalasans de Matos, OAB-BA 15736
  87. Natalia Farias, Centro Popular de Direitos Humanos, OAB-PE 33916
  88. Natalia Martinuzzi Castilho, OAB-RS 87.768
  89. Natasha Raissa Souza Bandeira, OAB-CE 25.557
  90. Newton Albuquerque, professor de direito, OAB-CE 9.376
  91. Noelia Lima Brito, OAB-PE 16.261
  92. Patrick Mariano Gomes, OAB-SP 195.844
  93. Paulo Lemos, Presidente do Colégio de Ouvidorias das Defensorias Públicas do Brasil
  94. Pedro Brandão – Centro Popular de Direitos Humanos/PE. Mestre em Direito/ PPGD-UFPE. OAB-PE – 31.352
  95. Pedro Grossi Matias, Defensor Público Federal
  96. Plinio Baima, professor de direito da Faculdade de Macapá – Fama, Procurador do Estado do Amapá, OAB-AP 1496-B
  97. Rafael Barreto Souza, membro da equipe do CEDECA-CE, OAB-CE 23.893
  98. Rafael Farias Vasconcelos, Centro Popular de Direitos Humanos, OAB-PE 31.515
  99. Rafael Franco de Sá, Centro Popular de Direitos Humanos, OAB-PE n. 32.139
  100. Raimundo Fabio Ivo Gomes, Defensor Público do Estado do Ceará
  101. Renan Resende da Cunha, Centro Popular de Direitos Humanos, OAB-PE 31910
  102. Renato Roseno de Oliveira, OAB-CE 14.906
  103. Roberta Chaves Braga, Defensora Pública do Estado da Bahia
  104. Roberta Laena Costa Jucá, Professora do Curso de Direito da Faculdade Católica Rainha do Sertão – FCRS
  105. Roberto Rainha, OAB-SP 209.597
  106. Rodrigo de Medeiros Silva, membro da RENAP e da Comissão Nacional de Acesso à Justiça do CFOAB, OAB-CE 16.193
  107. Rodrigo Melo Mesquita, ex-presidente da Comissão de Estudos Constitucionais da OAB-PI e advogado do Coletivo Marcha da Maconha Teresina. OAB-PI 7.725 e OAB-DF 41.509
  108. Rodrigo Vieira, membro da RENAP, Grupo de Estudos e Pesquisa em Direitos Culturais, doutorando na UFSC, do OAB-CE 20.101
  109. Rosinere Marques de Moura, membro da RENAP, OAB-CE 23.094
  110. Seledon Dantas de Oliveira Júnior, OAB-CE 25.614
  111. Sílvio Mota, Juiz do Trabalho, Associação dos Juízes para a Democracia- AJD, Comitê Memória, Verdade e Justiça do Ceará
  112. Sheila Falconeri, Defensora Pública do Estado do Ceará
  113. Stella Maris Nogueira Pacheco, membro da RENAP, Coletivo Aparecidos Políticos, OAB-CE 25.643
  114. Talita de Fátima Pereira Furtado Montezuma, mestranda em Ordem Constitucional na UFC e membro da Urucum – Direitos Humanos,  Comunicação e Justiça
  115. Tatiana Carvalho de Araújo, OAB-CE 16.472
  116. Thiago Arruda Queiroz Lima, OAB-CE 26.354
  117. Thiago Menezes de Oliveira, OAB-CE 25.326
  118. Thiago Rocha Leandro, Centro Popular de Direitos Humanos, OAB-PE 31505
  119. Tiago Lopes Pereira OAB-PA16.755
  120. Valdecy da Costa Alves, OAB-CE 1.0517A
  121. Vanessa Bezerra Venâncio, membro da RENAP, OAB-CE 26.790
  122. Victor M. Montenegro, Defensor Público do Estado do Ceará
  123. Vinicius Cascone, OAB-SP 248.321
  124. Vinicius Gessolo de Oliveira, OAB-PR 37.767
  125. Vladimir de Carvalho Luz, Prof. do Curso de Segurança Pública da UFF
  126. Walber Nogueira da Silva, membro da RENAP, OAB-CE 16.561

Enviada para Combate Racismo Ambiental por Rodrigo de Medeiros Silva.

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