Por Raquel Rolnik
Uma Medida Provisória que, inicialmente, tratava da gestão e fiscalização “de obras e serviços de engenharia relacionados à modernização, construção, ampliação ou reforma de armazéns destinados às atividades de guarda e conservação de produtos agropecuários”, ganhou um monte de penduricalhos. Entre eles, um artigo que trata de política urbana, mais especificamente, da possibilidade de transferência de recursos públicos para privados, ao autorizar que estes possam desapropriar terrenos para depois neles promover projetos imobiliários de mercado.
Isso mesmo, o artigo 49 do projeto de conversão da MP 619/2013 propõe uma alteração do artigo 4º do Decreto-Lei 3365, de 1941, que trata de desapropriações por utilidade pública, acrescentando o seguinte parágrafo único: “Quando a desapropriação destinar-se à urbanização ou à reurbanização realizada mediante concessão ou parceria público-privada, o edital de licitação poderá prever que a receita decorrente da revenda ou utilização imobiliária integre projeto associado por conta e risco do concessionário, garantido ao poder concedente no mínimo o ressarcimento dos desembolsos com indenizações, quando estas ficarem sob sua responsabilidade.”
Confuso? Pois é, este cavalo de troia inserido na MP com uma redação totalmente truncada – ou será propositalmente ambígua? – amplia os casos em que o privado pode desapropriar, incluindo “urbanização ou reurbanização”.
Hoje a lei que rege as desapropriações permite ao concessionário privado de um serviço público desapropriar com o objetivo de implementar o serviço: por exemplo, a concessionária contratada para a construção de novas linhas de metrô, ou de novas redes de energia elétrica, pode realizar as desapropriações necessárias para implementar as obras. Hoje a lei permite também que o poder público – e apenas ele – desaproprie uma área maior do que a estritamente necessária para a realização da obra, possibilitando uma posterior revenda dessa área lindeira valorizada para assim custear o próprio investimento público.
O artigo contrabandeado na MP transfere esta prerrogativa para o privado, que poderá realizar desapropriações como se fosse o poder público e posteriormente desenvolver projetos imobiliários privados sobre as áreas desapropriadas. Isso vai permitir que uma empresa privada que ganhe uma concessão para reurbanizar um bairro numa cidade qualquer – Botafogo, no Rio de Janeiro, por exemplo –, possa não apenas realizar as obras, como já acontece hoje, mas também tornar-se dona do bairro inteiro, pois também poderá desapropriar para depois investir em megaempreendimentos imobiliários naquele território.
Que tal?
O projeto de conversão já foi aprovado na Câmara, mas ainda tem que passar pelo Senado. Fica a pergunta: quem encomendou esse artigo? A quem interessa essas mudanças?