Contemplo de longe a tragédia do Egito e, inevitavelmente, penso no Chile e em seu golpe militar. Penso no Chile e no Egito e sofro pelos mortos e pela história, essa história que parece repetir-se incansavelmente. De novo os massacres e as execuções e os soldados nas ruas e as prisões transbordando de corpos torturados, de novo os exílios e a censura e a brutalidade, de novo um general de óculos escuros justificando a violência em nome da segurança e da salvação da pátria, mais uma vez – até quando! – um general acusando de terrorismo os que se opõem a seu reinado.
Entretanto, examinando a recente história do meu Chile com menos aflição, atrevo-me a prever, embora de modo hesitante e provisório, uma saída possível para o dilema do Egito.
Quase 15 anos após o golpe de 11 de setembro de 1973 contra Salvador Allende, o povo chileno derrotou o general Augusto Pinochet em um histórico plebiscito, um processo de recuperação da liberdade contado com grande emoção no filme No. Só foi possível chegar a esse dia triunfal, 5 de outubro de 1988, porque havíamos criado com grande esforço a Concertación. Essa vasta e variada aliança de partidos e cidadãos que se uniram, apesar de graves divergências políticas, impôs uma transição para a democracia tão bem-sucedida que, em novembro, o Chile realizará sua sexta eleição presidencial em 23 anos. Portanto, meu país oferece aos egípcios uma estratégia por meio da qual uma população intimidada e dividida pode derrotar um regime opressivo. (mais…)