Observatório da Fronteira – De 18 a 20 de setembro de 2013, na aldeia Apiwtxa, Terra Indígena Kampa do Rio Amônea, Acre – Brasil, estiveram reunidas lideranças dos povos Ashaninka, Huni Ku? – Kaxinawá, Shawãdawa, Shipibo, Amahuaca, Apolima-Arara, Jaminawa e representantes da Reserva Extrativista do Alto Juruá, que vivem em territórios situados na região fronteiriça do Estado do Acre, Brasil, e Departamento de Ucayali, Peru, membros de organizações da sociedade civil, representante da Direccion Ejecutiva Forestal y de Fauna Silvestre de Ucayali e da Funai – CR Juruá, para a realização do VIII Encontro dos Povos Indígenas da Fronteira.
Organizado e coordenado pela Associação Ashaninka do Rio Amônia (Apiwtxa) e Comissão Pró-Índio do Acre, no âmbito do Grupo de Trabalho Transfronteiriço (GTT), o Encontro teve como principal objetivo contribuir para um modelo de gestão territorial e ambiental sustentável para a região, baseado na proteção, manejo e conservação da floresta, a partir de diálogos, acordos, planejamentos e estratégias conjuntas entre as comunidades presentes.
Durante o Encontro, os resultados positivos obtidos do processo de articulação, ao longo de oito anos de encontros e intercâmbios entre as comunidades de ambos os lados da fronteira, foram avaliados, entre os quais se destacam: i) O estreitamento das relações entre a Associação Apiwtxa do Rio Amonêa e a Asociacion de Comunidades Nativas para el Desarrollo Integral de Yurua Yono Sharakoiai – Aconadiysh, que, em maio de 2011, assinaram o Convênio Marco de Cooperação Interinstitucional, em que as organizações estabeleceram a colaboração para atividades conjuntas relacionadas ao uso, manejo e conservação da biodiversidade; educação ambiental, ordenamento territorial, proteção dos índios isolados, e manifestaram posicionamento contrário ao ingresso, na região, de empresas madeireiras, petrolíferas e mineiras; ii) Os acordos firmados entre a comunidade Vida Nova localizada na Terra Indígena Kaxinawá/Ashaninka do Rio Breu, com a comunidade Coshireni, para o uso compartilhado do território e dos recursos naturais, proteção e vigilância contra caçadores e pescadores ilegais, conforme documento Declaração Em Defesa da Gestão Territorial e Ambiental e do Direito de Consulta Livre, Prévia e Informada na Fronteira Acre-Ucayali, firmada em abril de 2012 e, iii) As ações de proteção da fronteira realizadas entre as comunidades Apiwtxa e Alto Tamaya-Saweto, que em setembro de 2011 mobilizaram o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Renováveis – IBAMA, Instituto Chico Mendes da Biodiversidade – ICMBIO, a Fundação Nacional do Índio – Funai e Polícia Federal, para uma ação de fiscalização, denominada Operação Açaí, que apurou a extração ilegal de madeira na fronteira brasileira, intimidando os ilícitos na região.
Ao tempo em que ressaltaram tais resultados, os representantes e lideranças presentes, manifestaram preocupação com as políticas da Iniciativa de Integração da Infraestrutura Regional Sul – Americana – IIRSA e da União de Nações Sul-Americanas – UNASUL – que promove a integração física regional dos países da America do Sul, com um modelo de desenvolvimento que se opõe a preservação ambiental, por meio da implementação de grandes obras de infraestrutura e de exploração de recursos naturais não renováveis na região amazônica, que se sobrepõem aos territórios indígenas, ou estão em seu entorno, causando impactos negativos e também violando os direitos das populações que ali vivem.
Preocupados também com a crescente formulação de programas nacionais de integração regional, por parte dos governos do Brasil e Peru, como o Programa de Promoção do Desenvolvimento da Faixa de Fronteira, no Brasil e a Estratégia de Desarrollo e Integração Fronterizos 2007-2021 no Peru, que pretendem preencher “grandes vazios”, erradicar a pobreza da população local e, principalmente, fortalecer a integração dos países por meio de suas fronteiras sem levar em conta aspectos socioambientais e culturais, os representantes e lideranças vem chamar a atenção, mais uma vez, de toda a sociedade amazônica para esta região da fronteira Acre – Ucayali, que é umas das áreas de maior biodiversidade do planeta, formada por um corredor contínuo de mais de 10 milhões de hectares, de Terras Indígenas, Comunidades Nativas, Unidades de Conservação, Reservas Comunais e Terras Reservadas para a proteção de uma das maiores populações de índios isolados da Amazônia e que se encontra ainda bastante ameaçada.
Com intuito de garantir a proteção de seus territórios e dos recursos naturais, bem como impedir o crescimento da pressão causada pelo interesse das políticas econômicas e de infraestrutura na região de fronteira, tornam público o conjunto de problemas identificados, os compromissos assumidos, como também as recomendações encaminhadas aos governos do Brasil e do Peru, gerados pelas reflexões e debates do VIII Encontro de Povos Indígenas da Fronteira Acre – Ucayali.
PROBLEMAS IDENTIFICADOS
No lado peruano
- A continuidade da extração madeireira, próxima as Comunidades Nativas das regiões dos rios Alto Tamaya, Putaya e cabeceira do Mapuya.
- Alguns dirigentes indígenas e chefes de Comunidades Nativas se aliam a empresas madeireiras e petrolíferas para facilitar a exploração destes recursos.
- A falta de apoio político por parte do governo peruano para a titulação de Comunidades Nativas.
- A intensa migração de famílias indígenas vindas da Selva Central para a região de fronteira, incentivada pela economia de extração madeireira e o monocultivo, que provoca a ocupação desordenada e o desmatamento de grandes áreas de floresta.
- Algumas “Comunidades Nativas” e organizações indígenas fantasmas foram criadas na fronteira com a finalidade de extrair recursos madeireiros e petrolíferos, facilitando as atividades de empresas madeireiras.
- Os impactos causados pelas estradas ilegais e oficiais que passam dentro de Comunidades Nativas e de Reservas Territoriais para Índios Isolados e as propostas de abertura de novas estradas e ramais nos trechos de Puerto Italia a Nueva Victoria; de Nueva Victoria a Breu e de Coshireni a Puerto Breu.
No lado brasileiro
- O aumento do desmatamento dentro da Reserva Extrativista do Alto Juruá.
- A pressão dos recursos naturais em algumas aldeias provocada pela chegada de famílias indígenas vindas do Peru com o objetivo de retirar documentos de identificação e acessar os benefícios sociais do governo brasileiro.
- A caça e a pesca ilegais dentro e no entorno da TI Kampa do Rio Amonêa, Arara do Rio Amonêa e Reserva Extrativista do Alto Juruá.
- A possibilidade de exploração de petróleo e gás no Vale do Juruá, a partir da abertura de licitação da Agência Nacional de Petróleo, prevista para o próximo dia 30 de novembro.
- Toda a movimentação conservadora presente no Congresso Nacional, no Executivo e no Judiciário do Brasil, com medidas, projetos de lei e iniciativas anti-indígenas como a PEC 215, o PL 1610/96 – Mineração em TIs, a Portaria 303, entre muitos outros, que afrontam a Constituição Federal e violam, deliberadamente, os direitos indígenas e de comunidades tradicionais garantidos pela própria Constituição.
Nos dois lados da fronteira
- Ainda é baixa a informação e formação de lideranças e organizações indígenas para lidar com os temas relacionados às políticas econômicas e problemas socioambientais na faixa de fronteira.
- A ausência de instituições do Estado responsáveis pela vigilância, fiscalização e a proteção das populações locais sobre atos ilegais presentes na região de fronteira.
- Há indícios que os povos isolados tem fluxo do Peru para o Brasil e também do Brasil para o Peru, sendo urgente a necessidade de se fazer a coordenação de políticas binacionais para proteção destes povos.
- As propostas de criação das estradas Pucallpa-Cruzeiro do Sul e Puerto Esperanza-Inãpari que causarão impactos socioambientais sobre as áreas protegidas e territórios indígenas dos dois países.
- A presença de PERUPETRO no processo de licitação do lote 169 sobreposto a Proposta da Reserva Comunal Yuruá, Comunidade Nativa Sawawo e no entorno do território de índios isolados na Reserva Territorial Murunahua. No Brasil, este lote faz limite com a TI Kampa do Rio Amonêa, TI Ashaninka/Kaxinawá do Rio Breu e Reserva Extrativista do Alto Juruá no Brasil.
COMPROMISSOS DOS POVOS INDIGENAS LOCALIZADOS NA FRONTEIRA ACRE-UCAYALI
Proteção dos territórios e gestão ambiental
- Monitorar os limites da TI Kaxinawá do Rio Humaitá no Estado do Acre para evitar possíveis invasões, e outros problemas causados, pelo ramal do trecho município do Jordão – Seringal Novo Porto no rio Muru.
- Prestar apoio político à titulação da Comunidade Nativa Alto Tamaya – Saweto, para a retirada das concessões florestais e Bosques de Produção Permanente.
- Continuar monitorando e registrando pontos de evidencias de retirada de madeira e de caçadores ilegais, por parte das comunidades do Alto Tamaya – Saweto e Apiwtxa.
- Fortalecer e ampliar as parcerias, melhorar a comunicação entre as comunidades indígenas da fronteira para as articulações e reuniões comunitárias.
- No Peru, apoiar as Comunidades Nativas em implementação de alternativas de desenvolvimento comunitário não madeireiro.
Qualidade de vida e fortalecimento cultural
- Fortalecer o uso das sementes tradicionais para enriquecimentos dos roçados e Sistemas Agroflorestais -SAFs e a segurança alimentar.
- Diversificar a produção de alimentos com o enriquecimento dos roçados, unidades agroflorestais em contraposição ao monocultivo, assim como a criação de pequenos animais e o uso e manejo dos recursos naturais.
- Realizar intercâmbios e oficinas entre as comunidades de fronteira para trabalhar os temas referentes à educação intercultural bilíngue, saúde, meio ambiente e fortalecimento cultural.
- Realizar reuniões comunitárias com o intuito de fortalecer a organização comunitária promovendo a informação, participação e distribuição de responsabilidades entre as famílias.
- Buscar apoio para a elaboração e implementação dos Planos de Gestão Territorial e Ambiental, para fortalecer as estratégias ambientais e investimentos sociais das Comunidades Nativas do lado peruano.
- Fortalecer e valorizar os conhecimentos dos povos – língua, alimentação, artesanatos, roçados, festas, musicas, etc.
- Organizar oficinas de sensibilização, encontros culturais binacionais e encontros binacionais de curandeiros tradicionais da fronteira Brasil-Peru.
Indios Isolados
- Realizar reuniões e oficinas de informação e sensibilização sobre a situação dos índios isolados e buscar apoio para promover intercâmbios com outras terras indígenas que compartilham territórios com os índios isolados.
- Garantir e respeitar os acordos comunitários das aldeias da Terra Indigena Kaxinawá do Humaitá para o compartilhamento do seu território com os índios isolados.
- Apoiar a demarcação de uma nova Terra Indígena no Alto Murú e buscar apoio para o monitoramento sobre a presença dos isolados.
COMPROMISSOS DAS ORGANIZAÇÕES INDIGENAS DO PERU
- Buscar parcerias para organizar oficinas de sensibilização das Comunidades Nativas para o uso, manejo, proteção e defesa dos recursos naturais da região de fronteira, como também sobre a proteção dos isolados.
- Buscar parcerias para organizar oficinas de capacitação sobre os direitos indígenas; os impactos relacionados a exploração de petróleo, minério e madeira.
- Buscar apoio para promover o intercâmbio de experiências dos Agentes Agroflorestais Indígenas do Acre com as Comunidades Nativas.
- Cobrar do Estado Peruano a aplicabilidade dos instrumentos legais, nacionais e internacionais (Convenção 169, Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos Indígenas, Lei de Consulta Prévia nº. 29785).
- Organizar oficinas de capacitação para dar a conhecer os instrumentos legais da Lei 28736.
- Promover e apoiar o desenvolvimento econômico e sustentável nas Comunidades Nativas para garantir a segurança alimentar.
COMPROMISSOS DAS ORGANIZAÇÕES INDIGENAS E ONGS DE ACRE E UCAYALI
- Buscar parcerias para continuar organizando os eventos binacionais entre as populações da região de fronteira Brasil-Peru.
- Apoiar a consolidação das alianças binacionais dos povos indígenas para a gestão e proteção da região de fronteira.
- Subsidiar com informações e encaminhar as propostas e reivindicações dos povos indígenas à Camara Técnica de Desenvolvimento Sustentável, no âmbito do Núcleo Estadual de Desenvolvimento e Integração de Faixa de Fronteira do Estado do Acre e de Desenvolvimento Sustentável.
- Organizar produtos integrados sobre as dinâmicas da fronteira e referencias sobre os povos indígenas isolados na região de fronteira Acre – Ucayali para subsidiar apoio político, a nível nacional e internacional, em defesa e proteção desses povos e seus territórios.
PROPOSTAS DE COMPROMISSO PARA OS GOVERNOS DO BRASIL E PERU
- Que apoiem o desenvolvimento fronteiriço com participação dos povos indígenas e povos tradicionais que vivem na região, baseado no desenvolvimento sustentável e conservação da floresta, respeitando os seus territórios e modos de vida.
- Que trabalhem, com participação das comunidades, um plano adequado de desenvolvimento para a conservação da floresta, fontes de água, e outros serviços ambientais que os povos indígenas realizam.
- Que apoiem a consolidação de alternativas de desenvolvimento para as populações indígenas da fronteira, garantindo a soberania alimentar, saúde, educação e fortalecimento cultural.
- No Brasil, a Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas – PNGATI – deve incluir e fortalecer as ações de gestão ambiental que estão em andamento.
- Que o Estado peruano cumpra e implemente a Lei de proteção aos povos indígenas isolados.
- Que o governo do Peru acelere o processo de titulação da Comunidade Nativa Alto Tamaya – Saweto com a exclusão de Concessões Florestais e Bosque de Produção Permanente.
Os participantes do encontro, por meio deste documento final, manifestam total apoio a Mobilização Nacional Indigena em defesa dos direitos dos povos indígenas e tradicionais e ao meio ambiente.
Aldeia Apiwtxa, Terra Indígena Kampa do Rio Amônia, Marechal Thaumaturgo, Acre, Brasil, 21 de setembro de 2013.
Assinam:
Brasil
- Associação Ashaninka do Rio Amônia – Apiwtxa
- Associação dos Povos Indígenas do Rio Humaitá
- Associação Kaxinawá do Rio Breu
- TI Arara do Rio Bagé
- TI Apolima Arara do Rio Amônea
- ASAREAJ (Associação dos Seringueiros e Agricultores da Reserva Extrativista do Alto Juruá)
- Comissão Pró Índio do Acre
Peru
- Asociacion de Comunidades Nativas para el Desarrollo Integral de Yurua Yono Sharakoiai – Aconadiysh
- Asociación Regional de Pueblos Asheninka y Ashaninka de Ucayali – ARPAU
- Organización Regional Aidesep Ucayali – ORAU
- Organización Pro Purús
- Comunidad Nativa San Pablo
- Comunidad Nativa Santa Rosa
- Comunidad Nativa Dulce Gloria
- Comunidad Nativa Alto Tamaya – Saweto