O Brasil não foi descoberto, sim invadido. A chegada dos europeus nessas terras provocou um extermínio das populações nativas que aqui viviam: os índios.
Não é possível saber ao certo quantos nativos habitavam o litoral em 1500. Entretanto, de acordo com os cronistas da época, eram populações numericamente importantes que diminuíram drasticamente durante o primeiro século de contato com os europeus (MESGRAVIS & PINSKY, 2002).
CUNHA (2012) apresenta uma tabela com dados estimativos de populações indígenas compilada de diversos autores. Para as terras baixas da América do Sul, as estimativas variam de 1 a 8,5 milhões de habitantes. Para se ter uma ideia, DENEVAN (1976) estima uma altíssima densidade de 14,6 hab./km² (habitantes por quilômetro quadrado) nas áreas da várzea amazônica, sendo que, na mesma época, a Península Ibérica teria uma densidade de 17 hab./km² (BRAUDEL, 1979 apud CUNHA, 2012).
As consequências das guerras, da escravidão e, sobretudo, das epidemias e da fome, foram dramáticas para os índios. No final do século XVI, custava ao Padre Anchieta acreditar que, em vinte anos, na Bahia, tanta gente tivesse sido “gastada”: “porque nunca ninguém cuidou, que tanta gente se gastasse nunca, quanto mais em tão pouco tempo” (MESGRAVIS & PINSKY, 2002).
Assim, com o passar dos anos de contato, as guerras e a exploração dos indígenas pelos europeus, poucos colonos foram capazes de dizimar milhões e despovoar um grande continente. CUNHA (2012) recorre ao relato de JENNINGS (1975), que a América não foi descoberta, foi invadida.
O missionário Fernão Cardim registrou a existência de 76 nações indígenas com línguas e costumes diversos. Observou que enquanto algumas construíam algum tipo de casa e usavam arco e flecha, outras só usavam cavernas ou abrigos muito precários de folhagem tendo como arma apenas o tacape (a maior parte dos tapuias – etnias da grande língua Jê – não utilizava o arco e flecha e não praticava a agricultura) (MESGRAVIS & PINSKY, 2002).
KNIVET (2008) descreve 16 tribos indígenas no Capítulo 4 de seu livro. Entre as tribos estão: Potiguares, Mariquitás, Guaianases, Tupinambás, Aimorés, Temiminós, Goitacases, Tupiniquins, Puris, Molopoques, Mataiás, Lopos/Bilreiros, Guaianaguaçus, Tamoios, Carijós/Guaranis. MESGRAVIS & PINSKY (2002) apresentam um mapa com as nações tupis-guaranis da costa brasileira no início do século XVI, citando os Tremembés, Potiguares, Caetés, Tupinambás, Tupiniquins, Aimorés, Goitacás, Tamoios, Carijós (Guarani) e Charruas.
A concepção errada de um grande vazio populacional no Brasil também predominou na região bragantina do estado de São Paulo e em muitas cidades do Sul de Minas Gerais. Trabalhos recentes têm demonstrado que essas regiões eram habitadas por diversas etnias indígenas, de línguas Tupi e Jê, sendo um vasto mosaico cultural de povos nativos. Lopos/Caiapós, Puris, Molapoques, Abatinguaras, Mandibóias, Caitaguases, Maromomi/Goarulhos, Tamoios, Temiminós e Tupiniquins são nomes de nações indígenas que habitavam essas regiões, de riqueza cultural e histórica inestimável.
A diminuição dos relatos históricos referentes a essas tribos ao longo do tempo aponta o seu triste destino, assim como milhões de indígenas da América, gente como a gente: a extinção. É esse o destino que queremos para os povos indígenas remanescentes?
Foi com a abertura de uma picada mais reta, em 1664, passando por Atibaia até o rio Sapucaí (posteriormente denominada Rodovia Fernão Dias), na qual o bandeirante Matias Cardoso de Almeida expulsou os índios lopos, que tal processo de extermínio se intensificou. Após esta intervenção vieram as bandeiras apresadoras de índios, as “guerras justas”, a escravização, as vilas e a mineração. Passados 100 anos os índios desapareceram da região ou foram exterminados.
É importante ressaltar que os relatos históricos existentes apontam que, por volta de 1823, ainda existiam alguns mamelucos, mestiços e índios na região. Mesmo durante o século XX, nomes de locais da região, como “Bairro dos Bugres”, também indicam alguns remanescentes desses povos indígenas originários da região bragantina. Pelo menos um traço de lembrança de sua cultura continua viva na tradição do “Caiapó”, mantida na região por grupos de Piracaia e Joanópolis. A estes grupos muitas palmas e todo o apoio.
Mesmo com toda essa rica história e comprovada titularidade de suas terras, os índios continuam sendo desrespeitados. Novas entradas, novos bandeirantes, modernos senhores do engenho e o mesmo interesse, puramente econômico (de riqueza a todo custo), obtida pela exploração insustentável da terra, uma afronta não apenas aos Direitos Constitucionais e à história dos povos indígenas, mas a toda gente de bem, que no fundo é “bugre”.
Certas posturas só podem ser modificadas com educação, cultura, consciência e conhecimento da história. De fato, o desconhecimento de nossa cultura e história é um fator de fragmentação social do povo brasileiro. Os erros cometidos no passado devem servir de lição para que não sejam repetidos. Viva a luta indígena! Viva a Semana Nacional de Mobilização Indígena!
DICAS DE LEITURA E REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CUNHA, M.C. Índios no Brasil: história, direitos e cidadania. São Paulo: Claro Enigma, 2012. 158p.
DENEVAN, W. The aboriginal population of Amazonia. In: DENEVAN, W. (Ed.) The native population of the Americas in 1942. Madison: The University of Wisconsin Press, 1976.
JENNINGS, F. The invasion of America: Indians, colonialism and the cant of conquest. Chapel Hill: University of North Carolina Press, 1975.
KNIVET, A. As incríveis aventuras e estranhos infortúnios de Anthony Knivet: Memórias de um aventureiro inglês que em 1591 saiu de seu país com o pirata Thomas Cavendish e foi abandonado no Brasil, entre índios canibais e colonos selvagens. 2. ed. Organização, introdução e notas: Sheila Moura Hue. Tradução do original de 1625: Vivien Kogut Lessa de Sá. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. 154p.
MESGRAVIS, L.; PINSKY, C.B. O Brasil que os europeus encontraram. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2002. 111p. (Repensando a história)
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