Tania Pacheco – Combate Racismo Ambiental
Há momentos em que as coincidências se articulam de forma especialmente rica. A semana que passou foi um belo exemplo disso. Num evento há algum tempo planejado, de 7 ao 9 de agosto, psicólogos, antropólogos, servidores públicos, operadores da lei, indígenas, brancos e negros dos mais diversos pontos do País encontraram-se em uma universidade de Dourados. Apenas seis quilômetros distantes, na bela Casa de Reza da Aldeia Jaguapiru, os Guarani, Kaiowá, Terena, Kadiwéu, Guarani-Inhandeva e Kiniknau recebiam ilustres visitantes do exterior e do Brasil, no dia 7. No dia 8, a Aty Guasu se reuniria para começar a examinar a proposta do governo para os territórios indígenas, num debate que continuaria sexta-feira, 9, Dia Internacional dos Povos Indígenas. Mas disso falaremos depois. Aqui trataremos do primeiro encontro, o que aconteceu na Unigran.
Tudo começou há alguns meses, quando um cidadão digno chamado Carlos Afonso Marcondes Medeiros, presidente do Conselho Regional de Psicologia de Mato Grosso do Sul, decidiu lutar para que o I Encontro Nacional Psicologia, Povos Indígenas e Direitos Humanos fosse realizado em Dourados. Para muitos, um exemplo de falta de bom senso, masoquismo ou vontade de complicar as vidas – dele próprio e de outras pessoas…
Afinal, a sede da Regional é em Campo Grande; a maioria dos organizadores e dos participantes do MS, começando por ele próprio, também moram e trabalham na capital do MS; para os convidados de outros estados, se deslocar para Campo Grande seria bem menos difícil que para Dourados, embora em ambos os casos os horários dos voos deixem mais que claro, até mesmo para ingênu@s, que a prioridade das empresas não é servir bem aos passageiros; e a distância entre as duas cidades é de 225 km – cerca de três horas, numa estrada de mão dupla e tráfego pesado, no geral cercada de monocultura por todos os lados.
Carlos Afonso tinha um motivo relevante, entretanto: se era para discutir Psicologia, Povos Indígenas e Direitos Humanos, o Encontro tinha que acontecer no meio do furacão. Na cidade que mais desrespeita os direitos indígenas no estado que anualmente mantém a falta de pudor de bater os recordes nacionais de índi@s assassinad@s e suicidad@s.
Felizmente, isso foi entendido e apoiado por seus/suas companheir@s, d@s colegas e acadêmic@s do estado ao presidente do Conselho Federal de Psicologia, Humberto Costa Verona. E, após um primeiro dia dedicado ao II Seminário de Saúde Mental Indígena de Mato Grosso do Sul, o Encontro teve início, misturando saudavelmente as mais diversas ‘tribos’ numa preocupação comum: a defesa dos direitos dos indígenas.
Uma terceira reunião paralela, igualmente inesperada nos planos de Carlos Afonso, aconteceria também no dia 7, essa em Brasília, prejudicando um pouco o início dos trabalhos e forçando a substitução de participantes da abertura e da primeira mesa temática do evento (A Realidade dos Povos Indígenas no Brasil: novos tempos, velhas práticas), que deveria ser (e foi!) integrada exclusivamente por indígenas.
De qualquer forma, desde esse primeiro instante e nos dois dias subsequentes, os debates incluiriam sempre indígenas e não indígenas, todos participando enquanto professores, acadêmicos, servidores da SESAI, do Ministério da Saúde e dos DSEIs, numa saudável mistura e possível construção de parcerias. Dois vídeos – “Mbaraka, a palavra que age” e “Uma lei para todas” – foram igualmente usados como estopins para debates, na quinta e na sexta-feira. E uma cartilha e dois livros foram lançados*.
A mesa da qual participei (a última) foi de certa forma um caso único, ao reunir operadores da Justiça: uma Defensora Pública da coordenação do CONDEPI; a Presidente da Comisão Permanente de Assuntos Indígenas (COPAI/OAB); um Procurador Federal que vem dando exemplos de respeito aos direitos dos povos indígenas; e eu, falando dos povos indígenas no Mapa de Conflitos Envolvendo Injustiça Ambiental e Saúde no Brasil. Coordenando os trabalhos, um ótimo advogado Terena.
Não recebi ainda as conclusões do I Encontro, mas com certeza o que lá aconteceu foi extremamente importante não só para os povos indígenas como para nós, ditos não indígenas, que dele participamos. Só tenho a lamentar que mil pessoas tenham feito suas inscrições e boa parte delas não tenha comparecido, talvez por estarem interessadas apenas no certificado final.
Se assim foi, acho que não mereciam mesmo estar lá. Não se deixariam sensibilizar pela toalha, pelas cerâmicas e pelos enfeites das diferentes etnias que adornavam a mesa de trabalhos. Não saberiam desfrutar da beleza do encontro de tantas diversidades. Não teriam contribuição efetiva a dar para que nos tornemos cada vez mais human@s, pois para isso é necessário, antes de mais nada, ser capaz de reconhecer a humanidade no outro e em si. E, por nos ter ajudado a construir isso tudo, nossa homenagem a Carlos Afonso.
Para ver mais fotos da abertura e da primeira mesa clique AQUI.
Mais informações:
MS – Em Dourados, começou esta noite o I Encontro Psicologia, Povos Indígenas e Direitos Humanos