Tendo em vista os recentes conflitos ambientais (ex.: as Usinas Hidrelétricas como Belo Monte, Tapajós e Teles Pires; a Aldeia Maracanã; a demarcação de terras indígenas no Mato Grosso do Sul; a Transposição do rio São Francisco; entre outros) nós, discentes do Programa de Pós-Graduação em Arqueologia do Museu de Arqueologia e Etnologia da USP, manifestamos publicamente por meio desta, nosso apoio em favor dos direitos territoriais, culturais e humanos das populações atingidas, partindo do ponto de vista da Arqueologia.
A Arqueologia enquanto ciência estuda modos de vida de populações humanas de diferentes temporalidades e espaços a partir de seus vestígios materiais. Desse modo, ela lida diretamente com relações de alteridade entre diferentes grupos que se deparam muitas vezes com situações conflituosas. No Brasil, desde os anos de 1970, a prática arqueológica não se limita à pesquisa acadêmica, ela também está vinculada diretamente aos licenciamentos ambientais. Essa prática, denominada arqueologia de contrato, tem por intuito a preservação do patrimônio arqueológico ameaçado pelos empreendimentos. Tal cenário teve como consequência o crescimento vertiginoso da produção de trabalhos arqueológicos, especialmente nos últimos anos com o projeto desenvolvimentista (PAC) levado a cabo pelo governo federal, provocando reflexões dos arqueólogos sobre sua própria prática.
Apesar da amplitude das pesquisas, dos recursos que foram disponibilizados e do acervo arqueológico gerado, qual a reflexão que tem sido feita sobre esses trabalhos e o seus impactos sobre a sociedade? Que tipo de preservação se está buscando? Esse patrimônio arqueológico tem sido disponibilizado e utilizado pelas populações? Acreditamos que preservação é o uso ativo desse patrimônio pelas populações locais. Assim, só faz sentido coletar peças arqueológicas se elas servirem de instrumento de diálogo entre passado e presente, vinculando-se à dinâmica das significações e construções identitárias atuais. A ação do arqueólogo é, também, um ato político, tanto na produção de relatórios que subsidiam uma postura do IPHAN (e demais órgãos reguladores) quanto na pesquisa acadêmica e na construção de histórias. Dessa maneira torna-se fundamental um posicionamento da classe, uma vez que boa parte dos arqueólogos atua no contexto do licenciamento ambiental.
Um exemplo atual é a carta das lideranças Munduruku (Assoc. Indígena Pusuru – AIP) endereçada ao IPHAN e ao Min. Público Federal, que questiona a retirada de urnas funerárias de seu território sem qualquer consulta prévia. Entendemos esse tipo de postura como colonialista, pois, viola os direitos dos indígenas ao não considerar suas deliberações opositivas aos estudos de licenciamento relacionados à construção das hidrelétricas. Esse tipo de postura não cabe mais na prática arqueológica, embora tenhamos visto inúmeros outros exemplos semelhantes. Nosso documento dialoga e corrobora outros documentos produzidos sobre o cenário de conflito prático e ideológico que ocorre no interior da disciplina arqueológica e se expressa em inúmeras manifestações populares, entre eles: Arqueologia pelas gentes, a moção de apoio do colegiado do Programa de Pós-Graduação em Antropologia da UFPEL, a Carta de Belo Horizonte, entre outros.
Assim, essa carta reitera o apoio às várias comunidades que têm sido atingidas pelas obras de impacto ambiental e cultural e questiona práticas arqueológicas colonialistas, deixando claro o posicionamento dos discentes do Programa de Pós-Graduação em Arqueologia da Universidade de São Paulo.
—
Enviada para Combate Racismo Ambiental por Marcia Lika Hattori.