
Dados divulgados pelo Conselho Missionário Indigenista (Cimi) no Relatório de Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil retratam em números a realidade indígena nas reservas de Dourados e as define como “campos de concentração”.
Por Fabiano Arruda, do G1 MS
Encostadas ao centro urbano de Dourados, a segunda maior cidade de Mato Grosso do Sul, as aldeias Jaguapiru e Bororó têm dramas antigos. Aproximadamente 12 mil índios, segundo dados da Fundação Nacional de Saúde (Funasa), dividem 3,6 mil hectares para viver em uma situação de confinamento. A falta de espaço se mistura com problemas de violência, gerado pelo consumo de álcool e drogas. Em Caarapó, a 46 quilômetros dali, a aldeia Teyí Kuê possui praticamente a mesma área, mas comporta população de cerca de cinco mil índios.
“A proximidade das reservas com a cidade faz com que problemas que temos na cidade migrem rapidamente para as duas aldeias, por exemplo, o consumo de drogas e o alcoolismo”, analisa Neimar Machado, professor da Faculdade Intercultural Indígena da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD). “Em Caarapó, por exemplo, a aldeia é distante da cidade. A preocupação com o uso de drogas é mais recente”, compara.
Analisadas em uma visão aérea as aldeias parecem bairros de Dourados, explica o professor. “Porém, por ser uma reserva indígena e por conta do preconceito, não tem todo atendimento que um bairro tem. A circulação de ônibus, saneamento e segurança ficam prejudicados”.
Dos 37 assassinatos registrados no estado em 2012, 18 ocorreram na cidade (48,6%). Em cinco deles o consumo de bebida alcoólica foi agravante.
Também foram registradas onze tentativas de homicídios em MS em 2012, seis apenas em Dourados. Em relação a casos de lesão corporal dolosa, dos quatro registros no estado, três foram no município. Dois referem-se a indígenas que agrediram a esposa.
O relatório do conselho aponta que o consumo de álcool e outras drogas segue como sério problema entre os guarany kaiwá no município. No documento divulgado pelo órgão, liderança da aldeia Jaguapiru afirma que crianças têm acesso a bebidas desde os 11 anos.
Segundo ele, a estrutura precária das estradas na terra indígena e a falta de iluminação pública têm relação com a violência. “Muitos saem de madrugada, no escuro, para trabalhar. A estrada precisa de cascalhamento. Em dia de chuva ônibus chega a ficar atolado por nove dias”.
Lado bom
Doutor em Antropologia e professor da UFGD, Levi Marques diz que a situação em Dourados poderia ser pior.
“Considerando as condições de carência e abandono de política pública e, principalmente, a questão da enorme população em um lugar só, eles conseguem gerenciar razoavelmente os problemas”, diz ao G1.
Conforme Marques, as comunidades das duas aldeias desenvolvem série de mecanismos de controle e autocontrole na organização das famílias e parentesco, o que serve como escudo diante das fragilidades sociais.

Pouca terra e muito índio
A realidade social e a superpopulação em uma área pequena em Dourados traduzem outras características da história indígena em Mato Grosso do Sul. O procurador do Ministério Público Federal, Marco Antônio Delfino, compara: MS tem situação inversa ao Amazonas, por exemplo, onde o ditado é de “muita terra para pouco índio”.
Conforme o procurador, a área equivale a 0,2% do território sul-mato-grossense. “Se nós compararmos com outros estados é um percentual absolutamente irrisório. Mato Grosso tem uma porcentagem de 14% [equivalente ao total do território] e mesmo assim continua a produzir e se desenvolver”.
Segundo números da Fundação Nacional do Índio, são 50 terras indígenas no território sul-mato-grossense. Em Mato Grosso são 77 e no Amazonas 161.
De acordo com dados do censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 1991, Mato Grosso do Sul possuía população de 32,7 mil índios contra 73,2 mil do censo de 2010, aumento de 123,7%. Para o professor Neimar Machado, da UFGD, o crescimento ocorre por conta da mudança de metodologia nos censos com a “autodeclaração”. A implantação de cotas também tem influência.
“À medida que os índios não tinham direito, não se declaravam. À medida que o estado reconheceu direitos, as pessoas foram se declarando”, afirma, antes de ressalvar. “Usam esse argumento para dizer que as pessoas inventam ascendência indígena. Ao contrário, a população indígena brasileira é muito maior do que mostra os censos, mas eles não se declaram por conta do preconceito”.
Para ele, a melhoria nos serviços essenciais à saúde para as comunidades indígenas é outra influência na melhora dos números, principalmente, depois que o setor foi assumido, primeiramente pela Funasa (Fundação Nacional de Saúde), e mais recentemente pela Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena), órgãos ligados ao Ministério da Saúde.
“Melhorou muito os índices de imunização. Os programas sociais têm confrontado a situação de miséria e carência alimentar, embora ainda não sejam suficientes. Isso tem reduzido os índices de mortalidade e contribuído para o crescimento vegetativo”, explica.