Vandalismo como mal-estar político!

RJ Cabral e PaesPor Igor Vitorino da Silva*, para Combate Racismo Ambiental

Quem são os vândalos? Arrisco-me a dizer que somos todos nós que assistimos à distância nas ruas e pelas mídias às ações qualificadas como “vandalismo”, quebra-quebra, molotov, pedras e saques. Não seria loucura afirmar isso? Não sei dizer. Mas não deixo de pensar que a grande maioria “da turma da pipoca” grita em alto e bom tom por todos os cantos: Punam os vândalos! Isso não pode acontecer! Chega de agressividade e brutalidade! Afinal, qual é o temor que move essa histeria?

Poderíamos sugerir que esse incômodo irracional e a persistência “daquela velha opinião formada sobre tudo” em relação ao “vandalismo”, que contamina a opinião pública e a população “pacífica” e “ordeira” brasileira, seja uma questão de espelho. O vândalo que rompe com a civilidade e as regras políticas lança mão da violência como ação política, é concretização dos nossos desejos de quebrar, gritar e “dar um basta”, mais profundo. Dolorosamente, nos vemos vândalos, já que as regras e máscaras sociais que seguimos nos bloqueiam tais ações, exigem que as condenemos.

Pode-se, até mesmo, dizer que há uma espécie de pânico (ou melhor, medo) coletivo em direção aos acusados de “vandalismo”, pois esses tomaram uma atitude diferente das vigentes no cenário político brasileiro, que são, geralmente, a indiferença, a omissão, a burocratização ou a conciliação políticas. Os “vândalos” incomodam porque suas imagens e atos ousados (re)afirmam aquilo que sussurramos nas conversas de corredores e de boteco e nos textos intelectualizados: a descrença nas instituições públicas, na política institucional-partidária vigente. 

Assim, para conter esse sentimento de cumplicidade sediciosa em relação aos vândalos, consciente e inconsciente, a “turma da pipoca” clama pela sua punição, para que as autoridades quebrem imediatamente o espelho, justamente para reconfortar a sua consciência de cidadania, para dar sentido à sua crença nas regras e valores dominantes, pois, claramente o maior ato político do “vandalismo” está presente nas imagens, atos e narrativas que tomam conta das mídias brasileiras: a negação do esnobismo e do exibicionismo das elites e das indiferenças e dos destratos do Estado e de seus agentes.

Enfim, o vandalismo é um mal-estar político que a vida social, para voltar a sua regularidade, deseja eliminar e varrer as chamas e cacos de vidros que simplesmente desejam questionar: Porque o sol é para poucos no Brasil? Por que há cidadãos mais iguais que os outros nessa República Brasileira? Porque a prioridade da República são interesses privados e particulares de políticos e econômicos? Por isso, a estratégia política adotada, pelos setores conservadores da sociedade e da mídia, é condenar e abominar os atos de vandalismo ao invés de buscar compreendê-los no contexto histórico-político da nossa tradição republicana incompleta, precária e desigual.

*Historiador e professor de História do Campus Nova Andradina/IFMS.

Comments (2)

  1. Não se vive num mundo como este sem instituições públicas. Se elas precisam ser transformadas, cabe a nós, povo brasileiro, fazê-lo. Gestos como destruir o patrimônio público, danificar bens de pessoas que não se conhece ou invadir lojas e cometer furtos são políticos, mas na verdade beneficiam muito mais aos interesses dos saudosos do autoritarismo que ao aperfeiçoamento da democracia. Nenhum de nós sabe dizer quem são os agentes infiltrados entre esse pessoal que age de rosto coberto, mas já se sabe que eles estão lá. Creio que você não deveria tomar a liberdade de falar dos “nossos desejos de quebrar”, pois nem todos sentem assim, e os que não sentem não são todos conservadores. Como historiador pode se reportar ao que aconteceu na Índia em meados do século XX. A violência não é a única alternativa à indiferença. Talvez se você visse seu carro ser incendiado na rua, como aconteceu com pessoas reais no Rio, mudasse de opinião a respeito da violência indiscriminada.

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