Ruspo: Jornalista engajado e compositor lo-fi canta conflitos de Belo Monte e outros mais

No disco ‘Esses patifes’, músico aborda situação indígena e lutas ambientais

O Globo – Como repórter, ele assina Ruy Sposati e percorre o Brasil atrás de histórias como o assassinato de um índio Munduruku depois de uma intervenção policial na fronteira do Pará com o Mato Grosso, e as greves nas obras da usina de Belo Monte, em Altamira, que lhe renderam ameaças de morte e sete processos judiciais. Como compositor, atende pelo pseudônimo de Ruspo e usa softwares para criar uma sonoridade lo-fi, totalmente artesanal. O jornalista e o músico, contudo, não podem ser separados. Foi noticiando conflitos em quatro estados que Sposati/Ruspo gravou seu primeiro disco, “Esses patifes”. Lançadas recentemente na internet para download livre, as 14 faixas refletem a correria geográfica, o choque de culturas e algumas das questões políticas nas quais ele se envolveu. (Ouça acima a faixa “Belém Belém”)

— As músicas são uma rebarba das minhas experiências — conta Ruspo, em uma entrevista por Gtalk, horas antes de embarcar para o Pará e acompanhar o conflito entre os Muduruku e a construção das usinas do complexo hidrelétrico Tapajós e Teles Pires. — O processo se deu forma aleatória… Eu nem tenho violão. Como crio quase tudo no meu computador, não tive dificuldade em gravar onde eu estivesse. Tem coisas que compus e gravei na casa de equipes indigenistas, ou nas próprias aldeias mesmo. Fui guardando sem ter muito claro no que se tornariam, até que a ideia do álbum amadureceu.

O trabalho na imprensa ganhou contornos dramáticos nos primeiros meses de 2011, quando Ruspo ainda era o único jornalista a cobrir o dia a dia de Belo Monte. Depois de acompanhar a demissão de 80 trabalhadores da obra, foi abordado por dois homens não-identificados em uma caminhonete, que o juraram de morte. Em junho, o repórter acabou proibido pela justiça de se aproximar de Belo Monte, acusado pelo Consórcio Construtor de liderar trabalhadores grevistas.

Ruspo ficou dois meses de molho em Belém, esperando a poeira baixar (“passei um verão bagunçando a cidade/ tentando escapar do ocidente e da colonialidade/ depondo como um deportado”, conta na faixa “Belém, Belém”). Depois, migrou para o Mato Grosso do Sul, onde deparou-se com outras áreas de conflito. De um lado, a expansão da fronteira agrícola e pecuária; do outro, a maior população Guarani do país. Na primeira viagem por estrada pelo sul do Estado, espantou-se com o desmatamento.

— Você não vê mais nada — relata. — E aí, no meio dessas plantações de soja e cana, no meio do gado, surge um pequeno matinho e, dentro desse matinho, um povo tentando viver, produzir e reproduzir a vida, sem espaço para plantar. Fui anotando tudo que via no celular, e a partir daí, compus a canção “Tekoha” (sobre o drama dos Guarani).

O álbum mistura o escracho político (o funk “Chatuba do Agroboy”) com a ternura dos encontros na estrada. A faixa “Anastácio” é inspirada no diálogo com um pensador Kaiowá do Mato Grosso do Sul, que se recusa a ter eletricidade em casa.

Ao longo do caminho, Ruspo largava o gravador em cantos discretos, registrando os sons ambientes dos lugares por onde passava. No Xingu, por exemplo, gravou a voz de uma criança cantando em Araweté, mais tarde sampleada na faixa “Altamira”, que relata as obras de Belo Monte a partir do depoimento dos trabalhadores (“o rio vai pelo ralo/ vai todo mundo junto/ que azar que eu tive/ cabei de chegar!/ pra que eu quero praia?/ vim trabalhar”).

— Nas aldeias, eu compunha à noite, no computador, pois só tinha eletricidade das 19h às 23h – conta Ruspo. — Às vezes, também incentivava os indígenas a gravarem a própria voz. Normalmente, só as crianças topavam. No caso dos Araweté, eles mal falam português. Eu tinha que gravar uma primeira vez a voz deles e colocar o fone de ouvidos das crianças para mostrar o que estava acontecendo. Elas ficavam deslumbradas e logo aprenderam a operar o gravador, gravando coisas o dia todo… O pequeno sampler em “Altamira” era uma tentativa de gravar o significado de uma música que elas cantam em coro. São as canções dos adultos, reproduzidas pelas crianças.

Enviado por Ruben Siqueira para Combate Racismo Ambiental.

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