Paula Paiva Paulo*
Especial para o Canal Ibase
A cidade do Rio de Janeiro vive hoje uma dramática política de remoções de comunidades, inaugurada pelos dois megaeventos esportivos que o município receberá, a Copa do Mundo e as Olimpíadas, e as transformações urbanísticas que eles impõem à cidade. O grande agravante é que essas remoções têm sido feitas de forma sistêmica e integrada nas 12 cidades-sede da Copa no Brasil.
A política das remoções, no entanto, está longe de ser uma novidade no Brasil. Com a chegada da Família Real, em 1808, 10 mil casas foram pintadas com as letras PR, de Príncipe Regente, que significava que o morador teria que sair de sua casa para dar lugar à realeza. Logo, PR ficou popularmente conhecido como “Ponha-se na Rua”.
De 200 anos para cá, a cidade do Rio de Janeiro assistiu ao final dos seus cortiços; ao nascimento das favelas e da ocupação dos morros cariocas; a reforma Pereira Passos, maior transformação no espaço carioca até então; o primeiro Plano diretor da cidade, o Plano Agache; a construção de Parques Proletários; a remoção de mais 175 mil pessoas de 1963 a 1975 e a construção de 35.517 unidades habitacionais em conjuntos na Zona Norte e Oeste; o Plano Diretor de 1992, no qual se consolida a ideia de integração das favelas a cidade. Essas mudanças ao longo do tempo nos mostram que esse modelo de cidade que encontramos hoje é fruto de uma longa construção histórica.
Com os megaeventos que serão realizados no Rio de Janeiro, já foram, estão sendo e irão ser realizadas remoções de comunidades de diversos lugares da cidade, mas de forma mais intensa em locais de alta valorização imobiliária, como a Barra da Tijuca e o Recreio dos Bandeirantes. São obras para construção de equipamentos esportivos, mobilidade e reestruturação urbana. Hoje, as casas que serão removidas são marcadas com as letras SMH, de Secretaria Municipal de Habitação, que a criatividade popular também não deixou escapar e chama de “Sai do Morro Hoje”.
Segundo relatos dos moradores, as principais queixas do processo são: falta de informação relativa ao projeto da remoção, falta de participação durante o desenvolvimento das remoções, o oferecimento de alternativas desinteressantes para as famílias e truculência policial no ato da remoção.
Na Restinga, no Recreio dos Bandeirantes, o dia da remoção, dia 17 de dezembro de 2010, uma sexta-feira, foi considerado muitíssimo traumático pelos moradores. Sem aviso prévio, com forte aparato policial, as remoções aconteceram madrugada adentro, sem as famílias ainda terem sido indenizadas.
Na comunidade do Metrô-Mangueira, após as primeiras remoções, as casas eram demolidas, e quem ficava tinha que viver entre os entulhos, que não eram retirados, e acumulavam lixo, água parada, ratos, sujeira. Entre a primeira e a última família a sair da comunidade, houve um intervalo de aproximadamente dois anos, tempo em que foram forçados a viver nesta realidade.
Já a Vila Autódromo, na Barra da Tijuca, é símbolo de resistência por estar ameaçada de remoção há 20 anos. Desde 1993, quando a Prefeitura do Rio de Janeiro entrou com um processo contra a Vila Autódromo por dano ao ambiente natural, urbano, estético e visual; aos dias de hoje, com o local ameaçado pela construção do Parque Olímpico. A resistência continua, mas é forte a pressão do governo, sob a justificativa da urgência e usando uma paixão nacional como bandeira.
*Jornalista, acaba de finalizar a graduação com uma grande reportagem sob o tema das remoções