CIMI – O Conselho Indigenista Missionário (CIMI) vem a público manifestar preocupação e alertar para as ameaças feitas pelo governo federal, por meio do ministro da Justiça José Eduardo Cardozo, conforme declarações veiculadas pela imprensa, de que mudará o procedimento de demarcação das terras indígenas. A vontade do ministro, no entender do Cimi, revela a intenção de agradar setores da base política do governo federal no Congresso Nacional, especialmente aqueles articulados pela Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária (CNA), que atualmente exercem uma violenta pressão contra os direitos constitucionais dos povos indígenas e quilombolas e que se articulam em torno da Frente Parlamentar da Agropecuária.
O governo sinaliza que irá retirar da Fundação Nacional do Índio (Funai) atribuições estabelecidas pelo Decreto 1775/1996 e pela Portaria 14/1996/MJ, relativas aos trabalhos de identificação e delimitação das terras indígenas no país. O que se pretende de fato é concretizar um ajuste político que imponha maiores e mais profundas dificuldades e limites à efetivação dos direitos dos povos indígenas expressos no Artigo 231 da Constituição Federal.
Fazendo eco a argumentos falaciosos dos ruralistas, o ministro da Justiça, estranhamente, vem questionando as atribuições da Funai de analisar e emitir parecer, no âmbito administrativo, acerca das manifestações contrárias aos estudos elaborados pelos Grupos de Trabalho (GTs) e apresentados em relatório circunstanciado de identificação e delimitação de terras indígenas. O ministro está esquecendo, no entanto, de salientar publicamente que todos os procedimentos e pareceres emitidos no âmbito da Funai são submetidos a longa e criteriosa análise, pela consultoria jurídica do Ministério da Justiça, antes dele próprio decidir acerca da declaração de tradicionalidade de uma determinada terra indígena.
Além do direito ao contraditório, estabelecido pelo Decreto 1775, no ano de 1996, para atender as reivindicações dos setores contrários aos direitos indígenas, os interessados envolvidos em processos de demarcação de terras têm esta previsão expressa também na Constituição Federal e vem fazendo uso do dispositivo em processos judiciais que questionam os procedimentos administrativos. Não cabe, portanto, a alegação de que o procedimento de demarcação é parcial e ou injusto para os que vivem sobre terras tradicionalmente indígenas, em ocupações de boa ou má fé. Ao contrário, a efetivação desses procedimentos esbarra na letargia governamental, que os submete a processos que se arrastam por décadas. Assim, os povos indígenas sobrevivem sem que possam ter acesso às terras necessárias a sobrevivência física e cultural que, conforme determina a Constituição, são de seu usufruto exclusivo e permanente.
Na avaliação do Cimi, as declarações do ministro da Justiça visam abrir caminhos, inclusive, para que a atribuição de julgar as manifestações contrárias às demarcações das terras indígenas seja assumida, de maneira direta, pela Advocacia Geral da União (AGU). Entendemos que isso se constitui em grave risco aos povos indígenas uma vez que a AGU já se posicionou, através da Portaria 303/2012, contrária aos preceitos constitucionais indígenas.
O Cimi alerta que as mudanças anunciadas, caso efetivadas, irão aprofundar os graves problemas e violências que são cometidas contra os povos indígenas no Brasil. Não podemos aceitar que os povos indígenas sejam, uma vez mais, vitimados pelo governo brasileiro em função dos interesses de segmentos ligados ao latifúndio e ao agronegócio. Não podemos aceitar, uma vez mais, que indígenas e quilombolas sejam considerados entraves diante da ambição de segmentos que pretendem explorar suas terras. Não podemos aceitar, uma vez mais, que os direitos constitucionais dos povos indígenas sejam tratados como moeda de troca à mercê de articulações políticas e interesses privados.
Por fim, esperamos que ainda exista o mínimo de bom senso às instâncias do governo brasileiro a fim de que não se concretizem as mudanças sinalizadas pelo ministro da Justiça.
Brasília, 30 de abril de 2013
Conselho Indigenista Missionário – CIMI
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Compartilhada por Antonio Aranã Guarany Kaiowá.