Material serviu de base para o recém-descoberto Relatório Figueiredo
Felipe Canêdo – EM
Encontrado recentemente depois de 45 anos em que se imaginava perdido ou destruído pela ditadura, o Relatório Figueiredo é a prova irrefutável de que a pátria mãe não foi nada gentil com os índios brasileiros no século 20. Depois de mostrar com exclusividade em uma série de reportagens os detalhes das 68 páginas que compõem o relatório, o Estado de Minas mergulhou no extenso inquérito com mais de 7 mil páginas que serviu de base para elaboração do documento e traz hoje um dossiê das violências e desmandos praticados por fazendeiros, empresários e agentes do Serviço de Proteção aos Índios (SPI) contra tribos de todo o país. As descrições contidas nele lembram requintes de crueldade somente dignos de campos de concentração nazistas da Segunda Guerra Mundial –, inclusive, muito provavelmente, enquanto partidários de Hitler seviciavam judeus inocentes, agentes do estado brasileiro torturavam índios igualmente inocentes.
Muito provavelmente, segundo afirma a coordenadora do núcleo que trata das lutas pela terra na Comissão Nacional da Verdade ao Estado de Minas, Maria Rita Kehl, os horrores contra índios continuaram e se tornaram sistemáticos. Além da importância das descrições de terras usurpadas – que podem subsidiar inúmeras ações para reaver terrenos em todo o país – as descrições de casos de massacres e genocídios contidas no documento devem motivar investigações da Comissão da Verdade, como informou Maria Rita.
Prática comum e descrita sem grande destaque no relatório, a escravidão dos índios é relatada na página 1.515, por exemplo, pelo chefe da 5ª Inspetoria do SPI, sediada em Cuiabá, José Baptista Ferreira Filho. Ele sustenta que o fazendeiro Flávio de Abreu possuía oito índios em sua fazenda e faz uma relação de 17 índias que foram “afastadas” de onde moravam por castigo, para ser “empregadas (sem remuneração)”. O texto diz: “Fora a índia Maria, que quando retirada da residência da sogra do Flávio apresentou-se com alguma roupa, as demais, sem roupas, sem saldos, doentes, apanhadas (sic) além de outros castigos de não saber notícias de suas famílias”. Uma das índias da lista, “Mariinha”, teria ficado longe de sua aldeia por quatro anos, trabalhando como escrava em Belo Horizonte e no Rio de Janeiro durante esse tempo.
(Colaborou Alessandra Mello)