Samir Oliveira – Sul 21
O comando da Brigada Militar estuda a possibilidade de criar coordenadorias específicas dentro da Corregedoria da corporação para investigar denúncias envolvendo casos de homicídio, tortura, lesão corporal e outros delitos graves cometidos por policiais militares. A intenção é estruturar essas equipes para apurar essas condutas nos quartéis da Região Metropolitana e da Capital.
A notícia veio à tona na semana passada, quando uma audiência pública na Assembleia Legislativa debateu a política de segurança pública do governo estadual. Em conversa com o Sul21, o comandante-geral da Brigada Militar, coronel Fábio Duarte Fernandes, explica os acréscimos que pretende implementar na Corregedoria.
“Parte da atual Corregedoria terá equipes dedicadas a delitos de homicídio, lesão corporal grave, denúncias graves e tortura. Uma das premissas estratégicas do comando é a melhoria da correição policial. Acreditamos que isso vá dar resultados mais eficazes e credibilidade para que a se sociedade se sinta mais segura para apresentar denúncias. Nosso objetivo é possibilitar que o cidadão confie mais na polícia e acredite em suas estruturas de correição”, defende.
Ativistas em Direitos Humanos, autoridades públicas e especialistas na área avaliam que a medida é positiva, mas assinalam que a Corregedoria deveria passar por reformas mais profundas para se tornar um mecanismo eficaz de punição e prevenção de abusos cometidos por policiais militares.
Além disso, dentro da tropa, o tema é controverso. Cabos e soldados afirmam que a Corregedoria costuma ser eficiente na apuração de denúncias envolvendo os praças e morosa nas investigações que envolvem oficiais. Por outro lado, a associação dos oficiais acredita que a Brigada Militar possui muitas outras deficiências que deveriam ser sanadas antes que se pense em investir mais na Corregedoria.
Corregedoria deve se libertar do corporativismo, defendem especialistas
Uma das principais críticas à Corregedoria da Brigada Militar deve-se ao fato de que os policiais investigam condutas praticadas por seus próprios colegas. Isso gera situações em que, muitas vezes, o investigado já foi ou pode vir a ser subordinado ou chefe de quem está apurando uma denúncia.
No início do governo Tarso Genro (PT), em 2011, o especialista em Segurança Pública e Direitos Humanos Marcos Rolim entregou ao petista um projeto de criação de uma corregedoria independente para a área. O novo órgão seria composto por servidores civis concursados e teria atribuição de apurar irregularidades praticadas por policiais militares, agentes da Polícia Civil e da Susepe – que também possuem corregedorias específicas, formadas por seus próprios servidores.
“O tema da correição é central para o bom funcionamento das polícias brasileiras enquanto prestadoras de um serviço público. Em todas as democracias consolidadas do mundo existem estruturas externas que recebem as queixas, determinam procedimentos e punem policais. Enquanto isso não existir no Brasil, a correição será sempre limitada e atingida por interesses corporativos”, critica.
O presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-RS, Rodrigo Puggina, também defende a criação de uma Corregedoria independente para toda a segurança pública. “É importante que se busque mecanismos para uma mudança de paradigma, para que se tenha maior autonomia”, pontua.
O presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa, deputado Jeferson Fernandes (PT), elogia a iniciativa do comando da Brigada Militar de criar equipes específicas para apurar delitos de policias, mas afirma que é preciso avançar mais.
“As corregedorias têm se modernizado, mas ainda estão longe do ideal. O espírito de corpo muitas vezes pesa na hora de julgarem os pares. Queremos uma Corregedoria que realmente cumpra seu papel”, aponta.
O petista informa que a Comissão de Direitos Humanos recebe muitas denúncias envolvendo abusos cometidos por policias militares. “Só no último mês foram seis graves denúncias de abuso polical no trato com os cidadãos. Há casos estarrecedores. Até o presente momento não tivemos as respostas que gostaríamos da Corregedoria”, reclama.
Governo tem pouca autoridade sobre a Brigada Militar, critica ativista
Para o fundador do Movimento de Justiça e Direitos Humanos do Rio Grande do Sul (MJDH-RS) Jair Kirschke, o poder político eleito nas urnas tem pouca autoridade sobre a corporação policial militar do Estado. Na avaliação do ativista, isso faz com que, ao longo de diversos governos, poucas mudanças ocorram na Brigada Militar.
“A Constituição Cidadã acolheu um entulho autoritário que diz que as polícias militares são forças auxiliares e reservas do Exército. Os currículos aplicados na formação policial são submetidos a um general em Brasília, o inspetor-geral das polícias militares. Se a Brigada quiser trocar um botão da farda de lugar, tem que pedir licença a esse general”, comenta.
Nesse cenário, Jair entende que o Palácio Piratini acaba assumindo muito mais as funções administrativas e orçamentárias da corporação. “A Constituição estadual diz, de uma maneira folclórica, que o governador é o comandante-em-chefe da Brigada Militar. Na verdade ele é muito mais um príncipe consorte do que qualquer outra coisa. A corporação se tornou um poder no qual o governador sempre irá esbarrar, por isso os governadores acabam evitando desgastes políticos”, pondera.
Quanto ao papel da Corregedoria, o líder do MJDH-RS acredita que é necessário investir em formação policial para que os abusos não cheguem a acontecer. “Eu cheguei a brincar com o secretário de Segurança Pública, comentei que os alemães são muito burros, já que levam três anos formando um policial, enquanto aqui nós levamos apenas seis meses”, compara.
Para Ouvidoria, Corregedoria deveria concentrar investigações que ocorrem em batalhões
A ouvidora da Secretaria de Segurança Pública do Estado, Patrícia Couto, defende que a Corregedoria da Brigada Militar seja fortalecida em termos materiais e de recursos humanos para que possa concentrar o maior número possível de investigações. Atualmente, o que acontece é que os casos são investigados dentro dos batalhões onde trabalham os policiais envolvidos na denúncia de abuso.
“Isso causa um constrangimento muito grande para o denunciante, que precisa comparecer ao ambiente de trabalho do policial denunciado. É importante que a investigação ocorra num local desvinculado do trabalho do denunciado”, cobra.
Patrícia Couto afirma que os Inquéritos Policial-Militares (IPMs) poderiam ser melhor conduzidos. Na avaliação da ouvidora, esses procedimentos têm se limitado apenas a ouvir a parte denunciante e a parte denunciada. “O processo teria que ser bem instruído, com provas, esgotando as possibilidades de apuração de uma denúncia, sem se limitar a verificar o que os envolvidos têm a dizer”, sugere.
Em relação à Brigada Militar, Patrícia informa que as principais denúncias que chegam à Ouvidoria envolvem excessos cometidos durante abordagens. “Desde a truculência, como chutes nas pernas ou tapas na cara, até humilhações públicas, envolvendo principalmente jovens de periferia”, lamenta.
Soldados e oficiais divergem sobre conduta da Corregedoria
Para o presidente da Associação de Cabos e Soldados da Brigada Militar, Leonel Lucas, a Corregedoria precisa ser eficiente para todas as graduações da corporação. “Na realidade, percebemos que quando a investigação envolve os praças, é muito bem feita aos olhos da Corregedoria. Não verificamos a mesma eficácia quando o caso envolve um oficial”, critica.
Ele também defende que a Corregedoria conte com a presença de profissionais qualificados dentro de cada caso a ser apurado. “Precisamos de especialistas. As posições não podem ser preenchidas somente por indicação do comando, como é feito hoje”, sugere.
Contrário a esse posicionamento, o presidente da Associação dos Oficiais da Brigada Militar (ASOFBM), tenente-coronel Riccardi Guimarães, considera que a afirmação de Leonel Lucas é falsa. “Isso é uma mentira, é uma equivocada briga por interesses outros”, pondera.
O oficial assegura que é a favor das investigações sobre a conduta dos policiais. “Olhando feio para o povo, o policial já está agindo errado. A Corregedoria tem que apurar quem são os maus brigadianos e alijá-los da corporação. Quanto mais luz, menos sombra”, defende.
Entretanto, ele acredita que corporação possui outras deficiências e prioridades que deveriam ser corrigidas antes de se pensar em modificar a Corregedoria. “Não vejo sentido no discurso do comandante, ele está viajando na maionese. É uma postura ideológica e midiática a de criar comissão para investigar tortura na Brigada Militar. A Brigada que ele vivencia e comanda é completamente diferente da que eu observo. A oficialidade da Brigada está estupefata com isso”, critica.
Para Riccardi, o comando precisa dar mais atenção ao policial. “Ele precisa criar comissão para verificar a tortura que vive a família de um brigadiano, a carência total de salário e de materiais de trabalho. Os policiais precisam de nutrição, não de punição”, reforça.
O oficial entende, ainda, que a corporação está agindo mal nas atuações que faz durante protestos de rua. “A Brigada Militar tem se comportado de forma discutível em relação aos movimentos sociais que promovem quebra-quebra e pichações. Por orientações que eu não sei de onde vem, a corporação tem sido muito conivente com a depredação”, condena.
Por fim, o presidente da ASOFBM entende que não existe tortura na Brigada Militar. “Não temos torturadores hoje em dia, assim como não tivemos na época da ditadura. Claro, pode ser que exista um ou outro brigadiano (que se excede), mas a Brigada tradicionalmente respeita os Direitos Humanos. Um torturado pelo DOPS deu um depoimento à associação afirmando que foi recebido com humanidade e carinho pela Brigada Militar”, comenta.
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Enviada por José Carlos para Combate Racismo Ambiental.