por Isaías Dalle
A prefeitura de São Paulo planeja incluir o ensino de direitos humanos e cidadania no ensino básico da rede municipal, para alunos entre 4 e 18 anos. O projeto existe desde a posse do atual secretário de Direitos Humanos e Cidadania, Rogério Sottili, em janeiro, e deve ser aplicado ao longo dos próximos quatro anos.
Embora anterior ao recente debate sobre a diminuição da maioridade penal, detonada pelo assassinato do estudante Victor Hugo Deppman, o projeto é visto pela prefeitura como um instrumento alternativo à mudança no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
“Sempre que há um caso trágico e funesto como esse, o fervor reaviva a discussão. O tema é recorrente, e se aprofunda nessas horas. Mas a solução não virá pela via do direito penal”, diz o coordenador da Comissão de Educação em Direitos Humanos da Secretaria, o advogado e professor da USP Eduardo Bittar, responsável pelo projeto.
Para ele, é preciso construir uma política sistemática e duradoura de direitos humanos. Um dos passos nessa direção seria combater a ideia cristalizada de que direitos humanos tratam apenas da oposição entre o direito da polícia e o direito de quem cometeu delito ou crime.
“Direitos humanos significam muito mais que isso. Essa dicotomia surge do período da ditadura, em que se lutava contra a prisão arbitrária, a tortura. Porém, com as mudanças ocorridas no país, parte da opinião pública e da imprensa não soube acompanhar essa transição no tocante ao tema”, afirma.
“Direitos humanos são o contorno mínimo para dar existência digna a uma pessoa: transporte, educação, moradia, saneamento básico, coleta de lixo, entre outras coisas”, diz, lembrando que políticas nessas áreas têm potencial para, inclusive, diminuir os índices de violência.
Para “retrabalhar o velho estereótipo”, como define Bittar, é preciso investir na educação em direitos humanos e cidadania.
Na prática, em sua primeira fase, o projeto vai dar formação a educadores que já trabalham na rede pública municipal, a começar pelos diretores regionais de ensino, os supervisores e os gestores das escolas, através de seminários e educação à distância.
Até o final do mandato, prevê-se atingir aproximadamente 4 mil professores e 549 escolas. Em toda a rede, trabalham 68 mil docentes. O alcance do projeto é pequeno diante do tamanho da rede, admite o coordenador. “Nosso orçamento ainda é muito pequeno”, explica.
A ideia é que o conteúdo pedagógico chegue à sala de aula, com a ação dos diretores, supervisores e gestores, por meio da combinação de duas estratégias: a criação da disciplina propriamente dita e a transversalidade, que significa incluir o tema em todas as disciplinas, capacitando os professores para tanto.
Bittar dá exemplos. Se durante uma aula de Educação Física uma briga entre alunos derivar para ofensas de caráter preconceituoso – racista, sexista – o professor pode abrir um debate com os estudantes para suscitar a reflexão. Outro exemplo: um mestre em Física, ao falar do átomo, tem a oportunidade de discutir politicamente o uso militar da energia atômica.
Para os gestores das escolas, o desafio é incentivá-los a abrir as escolas para a comunidade, com atividades que vão desde o plantio de árvores a debates que levem à busca de solução dos problemas locais identificados pelos moradores e pais dos alunos. “É quando se abre que a escola se protege, inclusive da criminalidade”, acredita Bittar, pós-graduado em Filosofia do Direito.
A comissão dirigida por ele não existia antes do atual mandato. E a própria secretaria, segundo ele, foi encontrada sem força política nem orçamento à altura. Uma das razões para isso é o fato de que, embora seja chamada de secretaria, não goza verdadeiramente desse status, sendo simplesmente uma comissão.
A secretaria, com status e estrutura para tanto, será criada dentro do projeto de reforma administrava do prefeito Fernando Haddad (PT).
Foto: Divulgação / OAB-ES
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Enviada por José Carlos para Combate Racismo Ambiental.