Elaine Tavares – Os povos indígenas do Brasil estão de pé. No dia do índio e em todos os dias. Enfrentaram a ocupação de seu território, a escravidão, a servidão, o extermínio, o saque de suas riquezas, e seguem resistindo. Diz a história que não foram poucos aqueles, que nos primeiros tempos da invasão, se deixaram morrer. Preferiram o horizonte de sua mítica “terra sem males” que viver num mundo no qual lhes obrigavam a ter uma fé estranha e a trabalhar obrigado para gente que nem conheciam. Outros fugiram para longe do litoral, abandonando suas raízes, mas nem assim escaparam. A sanha bandeirante adentrou o território e iniciou uma caçada sem precedentes. Tinham a força das armas de fogo. Os poucos que sobreviveram à “pacificação” foram jogados em reservas, sem direitos, tutelados como crianças ou como animais.
Depois, no começo do século XX, também a região amazônica, ainda intocada, foi sendo conquistada e as comunidades chamadas a se “integrarem” ao mundo branco. Mesmo aqueles que permaneceram aldeados não conseguiram fugir da intrusão. Aos poucos, as doenças, os hábitos e os vícios do mundo branco, capitalista e opressor, foi se imiscuindo e provocando dor e destruição. Aqueles que optaram por integrar-se nunca o conseguiram. Trazem na pele a marca e o preconceito os persegue, vivo, cada dia mais.
Ao final do último século, por todas as partes desse lindo continente (Abya Yala), desde o Alasca até a Patagônia, as comunidades indígenas começaram a se levantar. Não mais a tutela, não mais o silêncio, não mais o absurdo extermínio. Se tivessem de morrer que fosse peleando como já haviam ensinado suas lideranças mais importantes como o cacique taino Hatuey, no início da colonização, o caraíba Guaicaipuro, o asteca Cuauhtémoc , o quechua Tupac Amaru, o aymara Tupac Katari, o mapuche Lautaro, o tamoio Tibiriça, o guarani Sepé Tiaraju, o charrua Vaimaca e tantos outros.
E é o que se tem visto desde as ocupações das igrejas de Quito em 1990, o levante armado dos zapatistas, a revolução cultural do povo aymara, a luta dos kichwa no Equador e de todos os povos que vivem no território brasileiro. As comunidades lutam pelo direito a viver na sua terra originária, de vivenciar sua cultura, seus deuses, seus rituais. Querem também tudo aquilo que a humanidade conquistou ao longo desses anos. Querem se apropriar das tecnologias, sem perder seus conhecimentos ancestrais. Querem estar no facebook, mas para divulgar suas propostas de modelos de organização da vida. Os indígenas têm uma história, uma cultura e também têm sonhos e perspectivas de futuro. Querem e vão abrir os caminhos para o lá-na-frente sonhado, a partir de suas referências culturais. Se são boas ou ruins, cabe a eles definirem. Aos que aqui estão e que são fruto de toda essa triste história de invasão e de mescla étnica cabe compreender e respeitar.
É certo que os “brancos” não precisam temer aos índios, como se viu na corrida desesperada dos deputados essa semana. A menos que tenham motivos para isso. Se não, não há o que preocupar. Basta que se conheça a história e se entenda as demandas dos povos. Li, entre tantos textos divulgados essa semana, a frase: “Os índios não são assim tão bonzinhos”. E é a mais pura verdade. Não são e nem têm porque ser. Enquanto foram “bonzinhos” a sociedade os prendeu, matou, sufocou, destruiu, matou de fome. Agora é hora de assomar com a dignidade rebelde. Basta de ser “bonzinho” e aceitar a opressão. É tempo de reforçar ainda mais a luta, porque ela de fato nunca deixou de existir. Ocorre que as batalhas sempre foram travadas de forma pontual, em algum lugar específico. Mas, agora, não. Os povos estão unidos e atuam em uníssono. Levam com eles também aqueles que compreendem a história, que conhecem a dívida que o país tem com os povos antigos, que se comprometem e se sabem também indígenas já que o nosso sangue contém ainda que uma grama do sangue originário.
Não dá para dar ouvidos às bobagens que a mídia diz, sobre índios querendo tomar as cidades, as casas das pessoas e tudo mais. Isso nada mais do que o bom e velho terrorismo da elite assustada que precisa encontrar aliados na maioria da população. Os índios exigem muito pouco. Um pedaço de terra que permita vivenciar sua cultura e o direito de construir seu futuro do jeito que querem e sabem, autônomos e livres.
Nesse dia do índio fica o convite para que todos se debrucem sobre a história e conheçam os povos antigos, antes de atirarem pedras e julgarem pela cabeça de outros. Sim, os índios não são bonzinhos, bem como não o são os brancos. É tempo de todos se olharem com respeito e respeitarem as opções de cada um. Mas é sempre bom lembrar que não dá para zerar acriticamente tudo que já passou. Essa terra foi invadida e os donos dela foram roubados. A coisa tem de começar daí.