“Nós existimos”

por Bernardo Camara

Com uma criança num braço e um macaco no ombro – disputando atenção e leite materno – a indígena Inameá Awá conta com voz serena sua história: “Meu pai morreu aqui perto, vítima dos madeireiros. Eles acabaram com a gente, destruíram nossa floresta, acabaram com nossa comida”.

Isso já faz uns 20 anos. Os relatos que ecoam na aldeia Awá, porém, parecem ter parado no tempo. “Estamos preocupados”, repetiu uma liderança nesta quinta-feira, véspera do Dia do Índio. “Os madeireiros vão acabar com nossa terra”.

Wiramixixarokara – ou ‘madeireiro’, na língua Awá – é uma das palavras que mais se ouve quando ao pisar na Terra Indígena Caru, no Maranhão. Não à toa: ali está uma das últimas áreas de floresta que ficaram de pé numa parte da Amazônia já arrasada pela motosserra. E justamente onde vivem os Awá-Guajá, um dos povos indígenas mais ameaçados de que se tem notícia.

“Historicamente, toda a subsistência deles está na caça e na coleta. Eles dependem diretamente da floresta para viver”, explica o antropólogo e professor da Unicamp, Uirá Garcia, que estuda esse povo há mais de dez anos. Para ele, desmatamento é sinônimo de tragédia: “É o fim da vida”, definiu Garcia.

Não faz mais de seis décadas que a vida dos Awá se tornou uma encruzilhada. Pelos anos 50 e 60, começaram a chegar as primeiras fazendas à região. E com elas, estradas e a ferrovia do Projeto Grande Carajás – encabeçado pela Vale. Num processo aceleradíssimo, o verde da floresta foi dando lugar ao negro das carvoarias e das queimadas. A população dos Awá, que era estimada em 600 indígenas, caiu quase pela metade. E as pressões nunca mais cessaram.

Na Terra Indígena Caru, aproximadamente 11% da floresta já foi devastada. E mais de 30% da mata foi para o chão na vizinha Terra Indígena Awá. Os dois territórios formam um corredor que abriga boa parte dos menos de 400 Awá que atualmente resistem à pressão da motosserra. E abrigam também muitos conflitos.

“O processo de desmatamento só tem se intensificado”, denuncia Madalena Pinheiro, que há 12 anos acompanha esse povo pelo Cimi (Conselho Indigenista Missionário). “Os Awá são uma das populações mais reduzidas do Brasil, e até hoje há uma disputa política pela terra. Eles foram ficando encurralados”, diz.

O governo no banco dos réus

Desde 2002, caminha a passos lentos na Justiça uma ação do MPF (Ministério Público Federal) que pede a retirada dos não-índios da terra Awá. Como réu, está a União. Fazendeiros e madeireiros resistem, e o município de Zé Doca – que abriga uma parte do território indígena – entrou com recurso judicial contra a ação do MPF. Em 2010, o prefeito da cidade chegou a declarar publicamente que os Awá não existem. Eles revidaram: acamparam em frente à prefeitura da cidade e foram a Brasília para dizer: “Nós existimos”.

Mas enquanto a batalha judicial se arrasta, a realidade vai consumindo os dias dos Awá. “Parece piada de mal gosto: quem tem o dever constitucional de proteger os indígenas vira réu na Justiça. O estado brasileiro está de braços cruzados, assistindo todo um povo caminhando para a extinção”, critica Danicley de Aguiar, da campanha Amazônia do Greenpeace. “O governo federal precisa apresentar com urgência uma estratégia para defender os Awá ou a história da indígena Inameá Awá vai continuar se repetindo.”

Ajude a defender as florestas do país e, com ela, seus povos nativos. Participe da campanha pelo Desmatamento Zero. Assine a petição, compartilhe, informe-se.


Enviada por Madalena Borges Awá-Guajá para Combate Racismo Ambiental.

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