Repórter assassinado no Vale do Aço tinha dossiê inédito

Comitê formado por representantes da imprensa fez protesto às margens da BR-381

Profissional preparava série de reportagens com novas denúncias sobre a ação de esquadrão da morte na região, que marcaria sua volta ao jornalismo impresso

Mateus Parreiras – Estado de Minas

Ipatinga – Silenciado por cinco tiros disparados de uma moto por uma dupla ainda não identificada, no Bairro Canaã, em Ipatinga, no Vale do Aço, o jornalista Rodrigo Neto, de 38 anos, preparava uma série de matérias especiais sobre assassinatos não resolvidos nos quais um esquadrão da morte formado por policiais militares e civis da região figurava como principal suspeito. Muito além das 21 pessoas e pelo menos 20 policiais denunciados pelo repórter antes de morrer, na madrugada de 8 de março, o material que ele reunia revelava mais vítimas de homicídios covardes, e marcaria sua volta às páginas do Jornal Vale do Aço, contando com fotografias de Walgney Assis Carvalho, de 43, morto no último domingo em um crime que pode estar relacionado à primeira execução.

“O Rodrigo preparava um material que dizia ser bombástico. Nunca me contou o que era, mas isso marcaria sua volta ao jornalismo impresso, depois de muitos anos no nosso programa de polícia”, conta o radialista conhecido como Carioca, que dividia o microfone com Rodrigo Neto na Rádio Vanguarda, onde falavam de crimes e investigações policiais do dia a dia. “O Rodrigo era muito contundente ao microfone. Vinha denunciando esse esquadrão da morte formado por policiais na rádio, mas quando passou para o jornal, virou uma ameaça para essa gente”, conta um dos chefes do jornalista assassinado. “O que se escreve no jornal fica. Vai parar na mesa do promotor, da corregedoria, do governador. No rádio, a reação é mais imediata”, considera o profissional, que pede para não ser identificado, pois tem medo de sofrer represálias. O material produzido pelo repórter ficou no notebook apreendido pela Polícia Civil, mas a equipe do Estado de Minas conseguiu resgatar algumas histórias com as quais ele trabalhava.

Foi dentro de uma padaria da Avenida Macapá, no Bairro Veneza I, no meio de clientes e funcionários, que o mototaxista Diunismar Vital Ferreira, o Juninho, de 41, foi assassinado com seis tiros, dos 11 disparados por um motociclista de capacete, em 2007, como tem ocorrido nos crimes relacionados ao esquadrão da morte que estaria agindo no Vale do Aço. “Ele estava namorando uma mulher que tinha também caso com um capitão da PM. Um dia antes do assassinato, a mulher o ameaçou na frente de todo mundo. Disse: ‘De hoje você não passa’ ”, conta um dos oito irmãos da vítima, que também pede para não ser identificado.

De acordo com ele, Juninho não tinha inimigos e o aviso da namorada teria sido uma ameaça cumprida. Apesar de isso ter sido registrado em depoimentos, nada aconteceu e ninguém foi preso. “Não acredito na Justiça nem na polícia. Na época, também vieram investigadores de Belo Horizonte para cá, mas nada mudou. Polícia é assim: quando é boa, é boa. Quando é ruim, não vale nada”, desabafou. O capitão e a namorada deixaram Ipatinga e se mudaram para Belo Oriente, cidade próxima e que foi palco de uma chacina, naquele mesmo ano, também denunciada por Rodrigo Neto como sendo relacionada ao esquadrão da morte.

IRMÃO ELIMINADO 
Outro irmão de Juninho também foi assassinado a tiros, em 2009. Marcos Vital Ferreira estava tentando elucidar a execução do irmão. Ele chegou a sofrer uma tentativa de homicídio da qual o acusado é Daniel Silva Araújo, por sua vez testemunha de outro crime denunciado pelo repórter, o assassinato da missionária Anelise Teixeira Monteiro Carlos, de 38 anos, em 2007. O principal suspeito da execução da religiosa, segundo as apurações de Neto, era um cabo da PM que nunca foi detido e continua a trabalhar na corporação, agora lotado em Lavras, no Sul de Minas.

Crivado de tiros no ano-novo

O ano de 2009 começava quando a dona de casa Italvina de Lourdes, de 73 anos, viu algo que nunca pensou que presenciaria. “Estávamos no meio de um churrasco de ano-novo quando escutei um tanto de tiros. Achei que eram bombinhas. Quando cheguei na janela, vi meu sobrinho levando um tanto de tiros de um homem de capacete”, lembra a senhora, que hoje olha com tristeza para o local onde viu o rapaz ser assassinado, no Bairro Bom Jardim. O sobrinho dela, Elias Santiago Pereira, de 33 anos, era conhecido como Gatão. Ele teria envolvimento com policiais e estaria sendo ameaçado.

Outra vítima do esquadrão pode ser a mulher de um policial militar. Francislaine Simões Oliveira Andrade, de 24 anos, foi morta em plena recepção do hotel onde trabalhava, no Bairro Ferroviários. “Ela estava se separando do marido. Acho que foi ele quem mandou matá-la. Só que esse esquadrão age da seguinte forma: uma pessoa que tem uma desavença com você pede para outro policial te matar, enquanto o mandante procura ficar em um lugar público, para ter isso como álibi”, conta um dos jornalistas que trabalharam no caso.

O EM procurou a força-tarefa da Polícia Civil que investiga os 10 crimes denunciados pelo repórter Rodrigo Neto, bem como as mortes do jornalista e do fotógrafo, para saber se esses e outros casos também serão investigados, mas não obteve respostas. As polícias Civil e Militar da cidade também não comentam nenhum assunto relacionado aos crimes. Nas ruas de Ipatinga, as pessoas se mostram descrentes com alguma punição contra os integrantes desse esquadrão da morte. Enquanto dois jornalistas e a namorada do fotógrafo morto ainda são ameaçados, a única ação concreta visível por enquanto foi a colocação de 60 cruzes em um canteiro da rodovia BR-381, por iniciativa do comitê de jornalistas que acompanha os casos.

Enviada por José Carlos para Combate Racismo Ambiental.

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